As regras do jogo mudam muito no ambiente de negócios e, quando favorecem o empresariado, são abraçadas imediatamente. Mas é preciso avaliar os riscos envolvidos antes de tomar decisões importantes.

Aprovada há mais de dois anos, a Reforma Trabalhista acumula dezenas de questionamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) que, por ser encarregado de analisar a conformidade das regras com a Constituição Federal, pode invalidar alguns dispositivos. Mas esse é apenas um exemplo dos conflitos que se desenrolam mesmo em relação a leis já vigentes.

“Se o entendimento jurisprudencial for baseado em interpretação da Constituição, a introdução de lei não é suficiente para afastá-lo. Seria necessário emendar o texto constitucional”, explica o vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e professor titular da Faculdade de Direito da USP, Luís Eduardo Schoueri. “Por exemplo, se o STF já fixou entendimento sobre determinada matéria constitucional, o empresário não deve tentar se beneficiar de lei ou diploma infralegal que viole esse entendimento”, orienta.

Isso quer dizer que nem sempre leis aprovadas pelo Congresso e sancionadas pela presidência da República têm validade na prática. “Há um risco muito significativo aos empresários quando seguem manchetes de notícias não vinculadas à leitura técnica das alterações normativas, que têm sido cada vez mais comuns”, avalia o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Sociais da OAB e coordenador da Comissão Ampla de Aprimoramento e Elevação do Direito do Trabalho, Antônio Fabrício Gonçalves. “É importante que contabilistas e empresários se articulem sempre com advogados e juristas para que estes possam aferir a conformidade dos dispositivos normativos com o sistema jurídico”, recomenda. “O trabalho conjunto entre o profissional da contabilidade e o profissional jurídico é extremamente necessário e fundamental”, confirma o vice-presidente do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo (Sindcont-SP), Geraldo Carlos Lima.
Medidas provisórias (MPs)

Se a insegurança jurídica ronda até mesmo leis e emendas constitucionais, com as MPs a atenção deve ser ainda maior. “Se a MP não for convertida em lei no prazo de 60 dias contados de sua edição (ou 120 dias, na hipótese de prorrogação do prazo de vigência), ela perde eficácia desde sua edição”, lembra Schoueri. “Sob o ponto de vista técnico, todas as MPs, normas, decretos e leis têm seu período de vigência assim que publicadas. Nesse ponto, cabe ao profissional da contabilidade implantá-las e executá-las”, reforça Lima.

Por essa razão, Gonçalves reforça a importância de os riscos serem assumidos conscientemente. Essa análise, entretanto, deve ser feita em conjunto com profissionais da área jurídica e contábil. “As teses de duvidosa aceitação, cedo ou tarde acabam sendo questionadas, nacional ou internacionalmente, e o acompanhamento do estado das discussões deve sempre ser delegado a um especialista”, aconselha.

Arriscar não vale a pena, salienta Gonçalves. “As empresas prudentes não se lançam nos testes. Aguardam que outros o façam. Estes, às vezes, obtêm êxito, mas, na maioria dos casos, experimentam os riscos negativos. Caminhar pela estrada já trilhada é sempre mais seguro do que abrir caminhos”.

Devagar com o andor

O alerta dos especialistas vale para qualquer tipo de alteração (legal ou infralegal) que afete processos empresariais. Entre as mudanças recentes que suscitam mais atenção, algumas se destacam. Confira!

Reforma trabalhista

O texto da Lei nº 13.467/17 tem vários artigos contestados judicialmente e outros que exigem cautela no momento da aplicação. Segundo Lima, “em que pesem alguns questionamentos jurídicos, a lei deve ser aplicada”. O cuidado está em aplicar as regras com rigor, sobretudo, quanto à terceirização e ao trabalho intermitente, que, se não forem corretamente adotados, podem configurar vínculo empregatício e gerar passivos trabalhistas.

Participação nos Lucros e Resultados (PLR)

O pagamento de PLR pode gerar conflito de entendimento quanto à dedutibilidade da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica, esclarece Schoueri. A questão envolve o Decreto-lei nº 1.598/76 e a Lei nº 10.101/00. O primeiro veda a dedução de PLR paga a administradores ou dirigentes da pessoa jurídica pagadora e a segunda garante a dedutibilidade de PLR paga a empregados em geral, sem especificar as funções exercidas. “Tem-se, portanto, que a PLR paga a administradores empregados pode ser deduzida, pois, neste ponto, o Decreto-lei nº 1.598/76 foi revogado pela Lei nº 10.101/00. Entendo, também, que PLR paga a administradores não empregados também deve ser dedutível, na medida em que a vedação constante do Decreto-lei nº 1.598/76 tinha o claro intuito de prevenir a distribuição disfarçada de lucros numa época em que dividendos distribuídos eram tributados no Brasil”.

Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins

O ponto de entrave em relação à exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) da base de cálculo do Programa de Integração Social e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins) é a falta de decisão expressa do STF sobre qual montante de ICMS deve ser excluído da base – se o cheio (valor destacado na nota) ou se o abatido do crédito da etapa anterior. “A decisão dá a entender que deve ser o valor cheio. Porém, a Solução de Consulta Interna nº 13/18, da Coordenação Geral de Tributação, estabelece que o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher, isto é, o montante reduzido”, comenta Schoueri.

MP do Contribuinte Legal

No caso da MP nº 899/19, que regulamenta a negociação de dívidas dos contribuintes com a União, “o maior cuidado que se deve ter, neste momento, é esperar sua regulamentação, pois muitos detalhes ainda não estão esclarecidos”, afirma Schoueri. “No atual texto da MP, no que se refere à transação na cobrança da dívida ativa, deve-se atentar para a restrição de seu cabimento aos créditos qualificados ‘a exclusivo critério da autoridade fazendária’ como ‘irrecuperáveis ou de difícil recuperação’, lembrando que a MP proíbe transação que envolva multa agravada ou de natureza penal”.