O mundo parou no primeiro trimestre de 2020 para combater o avanço de um vírus altamente contagioso. Desde então, tudo mudou. Para as empresas, é hora de assimilar a transformação e rever estratégias.

O pior erro que um administrador pode cometer agora é buscar no passado as respostas para enfrentar os desafios presentes e futuros ou nutrir a expectativa de que o mundo voltará ao que era antes. “A mudança é permanente, porque está sendo bastante aguda, atingindo muitos espectros da sociedade”, alerta o darwinista digital e owner da CPC Consultoria, Carlos Piazza. “O que as empresas adiaram por mais de 10 anos, tiveram que fazer em quatro dias, que é a transformação digital”, resume.

“Da noite para o dia”, como dimensiona Piazza, passamos de uma economia de alto contato (com a qual já estávamos acostumados desde 1750, quando teve início a primeira revolução industrial) para uma de baixíssimo contato.

O impacto da mudança não é temporário e nem localizado. “Isso transforma muito as coisas, porque, na base, foi necessário lidar com questões muito complicadas, como a extinção das rotinas”. As pessoas se fecharam em casa e precisaram juntar três espectros do dia a dia que, antes, eram tratados como coisas distintas: o viver, o trabalhar e o aprender – “que, na verdade, sempre foram uma coisa só”, pontua o consultor.

Enquanto isso, robôs ganharam projeção, seja limpando ruas de grandes centros, seja assumindo cada vez mais o papel que desempenham melhor: gerar e processar dados em tempo real. Dada a proporção das mudanças, é inviável esperar a volta ao normal.

A economia de baixo contato será a tônica do novo modelo socioeconômico que vamos vivenciar daqui para frente, pois as pessoas já se adaptaram a esse sistema. O risco para organizações que negligenciarem o poder dessa mudança, esperando o retorno à normalidade, é o de “desaparecer por falta completa de adaptabilidade”, destaca Piazza.

Gestão de riscos e finanças

A capacidade de adaptação é um fator determinante para garantir a perpetuidade das organizações, mesmo nos piores cenários. Entretanto, é preciso que as empresas sejam capazes de se anteciparem aos riscos (internos e externos) e que tenham uma gestão orientada à continuidade dos negócios.

Sem observar esses pontos, situações críticas podem ser potencializadas, afetando as companhias de diferentes maneiras. Por exemplo, um dos principais efeitos da pandemia sobre os negócios foi a falta de caixa, pois muitas empresas que tiveram suas atividades interrompidas não tinham condições de se manter sem receita.

Essa situação, entretanto, é consequência de problemas financeiros e gerenciais maiores, que não estavam sendo adequadamente gerenciados, aponta o professor da Fundação Dom Cabral nas áreas de Finanças Corporativas, Valuation e Risk Management, Oliviero Roggi. “Uma empresa que não tem capital próprio e caixa suficientes para poder garantir a própria sobrevivência no curto e médio prazo é vulnerável”, descreve. “O caixa insuficiente é a medida de mensuração da incapacidade gerencial das empresas em garantir a resiliência e isso acontece tanto com pequenas quanto com grandes organizações”.

Em um recente estudo, Roggi identificou que companhias com planos de continuidade dos negócios estruturados e colocados em prática, seguindo as diretrizes da ISO 22301, sofreram menos na crise. Essas podem ser consideradas empresas resilientes, que conseguem ajustar suas estratégias para manterem a sustentabilidade dos negócios.

Por isso, Roggi orienta que o empresariado conheça os potenciais riscos do próprio negócio. Essa análise, mesmo que simplificada, ajuda a elaborar planos para gerenciar crises de forma ágil. Outro ponto importante é o cuidado com as pessoas, abrangendo colaboradores, clientes, acionistas, outros stakeholders e a sociedade de forma geral. Afinal de contas, as empresas dependem da conexão com todos esses grupos para manter suas atividades.

“A incerteza que é medida se chama risco”, conceitua. Tudo que não pode ser medido é incerteza. “O empresário sempre irá tomar decisões em condições de risco ou de incerteza”. Isto é, se não for capaz de identificar cenários que poderá enfrentar, todas as suas decisões serão tomadas sem nenhuma previsibilidade.

Decisões bem fundamentadas

A tomada de decisões faz parte de todos os negócios, mas durante a pandemia foi necessário conduzir esse processo de forma mais ágil e assertiva, ressalta o diretor geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), Pedro Melo.

O próprio conceito de governança corporativa indica como a gestão da empresa deve ser constituída para que consiga se adequar a todos os cenários com a agilidade necessária. “Governança corporativa é o sistema pelo qual as empresas e as demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas de modo que continuem progredindo”, esclarece.

A governança está amparada no bom relacionamento entre sócios e demais stakeholders. Por isso, é preciso que seja conduzida com base na transparência, na equidade, na prestação de contas e na responsabilidade corporativa. “O grau de transparência favorece a tomada de decisão”, explica Melo. Já a equidade prevê o tratamento isonômico e o respeito à diversidade. O conceito de prestação de contas (accountability) está associado à transmissão de informações de forma clara e consciente em relação aos atos. “Responsabilidade corporativa é zelar pelo longo prazo da organização”, acrescenta.

A governança corporativa, bem como seus pilares, pode ser adotada por qualquer tipo de organização, independentemente do porte. “As organizações com governança mais madura tiveram a aceleração de soluções durante a crise”, afirma Melo.

O dirigente considera que a principal lição da crise é a importância de entender as potencialidades do negócio e de ter planos para o enfrentamento das dificuldades. Além disso, a pandemia exigiu agilidade na tomada de decisão; elevou a preocupação com questões sociais, ambientais e de governança; fortaleceu o cuidado com as pessoas; e reforçou a importância da diversidade. “Agora, é preciso olhar para a gestão da cultura e do aprendizado, porque a cultura digital veio para ficar e vai afetar todas as organizações”, conclui.