Temas que afetam a rotina das empresas, como obrigações tributárias e trabalhistas, são passíveis de questionamento e podem ser discutidos por anos até serem solucionados nas instâncias superiores.

Compete aos tribunais superiores aparar arestas e uniformizar entendimentos que ainda não foram pacificados, processo que pode ser demorado. Nesse meio-tempo, as empresas precisam se posicionar em relação a temas que ainda estão indefinidos, mas que nem por isso deixam de gerar efeitos.

O coordenador dos cursos de pós-graduação em Direito e coordenador técnico do Latin Legum Magister (LLM – Mestrado em Direito) em Direito Tributário e Contabilidade Tributária do IBMEC, Tadeu Puretz, distingue três conceitos importantes relacionados às instâncias judiciais: decisão, jurisprudência e precedente.

“A decisão é quando o magistrado profere o entendimento (sentença) acerca de um caso entre duas partes”, define. Essa decisão poderá ser modificada futuramente e não se aplica a outros interessados que não estejam relacionados no processo.
A jurisprudência “é um conjunto de decisões que segue determinada linha”, continua Puretz. “É um pouco mais forte e demonstra o entendimento mais direcionado de algum tribunal ou de vários tribunais, mas ela, ainda assim, não é definitiva; não se pode garantir que será aplicada a outros casos”.

O precedente, por sua vez, é uma decisão proferida por uma corte superior. “No nosso caso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos casos em que se discute a ilegalidade; ou o Supremo Tribunal Federal (STF), quando se trata de inconstitucionalidade”. O precedente tem duas características centrais: é uma decisão definitiva e de aplicação obrigatória pelos tribunais.

“Se o STF ou o STJ já julgou aquele tema como um precedente, um juiz de primeira instância não pode entender de forma diversa”, explica. “O objetivo do precedente é unificar o entendimento para evitar que o cidadão tenha um resultado diferente a depender do magistrado”.

Dependendo do tema, o precedente demora a chegar. É o caso da exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) na base de cálculo do Programa de Integração Social e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins), discussão que se desenrolou por 20 anos até uma decisão definitiva do STF. Em meio a impasses como esse, que envolvem o recolhimento ou não de um determinado tributo, a empresa deve evitar agir sem considerar os riscos de sua decisão.

Um procedimento comum dos tribunais superiores é modular os efeitos de suas decisões, estabelecendo o prazo para a aplicação do entendimento formulado. Imagine que a discussão é sobre a constitucionalidade de um determinado tributo.

Caso o empresário decida simplesmente não recolher o imposto, acreditando que este será declarado inconstitucional, poderá sofrer penalidades, dependendo da modulação, assim como, se optar por recolher o tributo, corre o risco de não recuperar os valores pagos, pelo mesmo motivo.

O recomendado é agir entendendo as possíveis repercussões a serem enfrentadas em diferentes cenários. Outra forma de se respaldar é ajuizar uma ação para assegurar direitos (como o de não recolher o imposto ou de obter ressarcimento pelos impostos pagos indevidamente) enquanto o tema está em discussão. Essa é uma forma de mitigar os impactos da modulação dos efeitos.

Custo da insegurança

Tomar uma decisão de forma improvisada aumenta os riscos que a empresa vai enfrentar sobre o tema, pois nem sempre é possível corrigir a situação depois. Mesmo quando a organização entende que tem direito a um determinado crédito tributário, a modulação dos efeitos pode limitar esse direito, admitindo-os apenas para os questionamentos que já estão em tramitação na Justiça ou que obtiveram sentença.

O custo assumido pode ser bastante elevado, dependendo do caso, observa o sócio da área trabalhista do Machado Meyer Advogados, Daniel Santos. Um exemplo foi a alteração da taxa de correção aplicada aos passivos trabalhistas. Até 2015, os valores eram corrigidos com base na Taxa Referencial (TR), zerada àquela época. Incitado a agir, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) estabeleceu que a correção passaria a ser feita com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Em 2017, nova reviravolta: a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17) foi publicada, definindo que a correção seria feita pela TR. A publicação da lei exigiu que o TST modulasse sua decisão e ficou decidido que até 2015 seria utilizada a TR; entre 2015 e 2017, a correção ocorreria com base no IPCA; e a partir de 2017, voltaria para a TR.

“Essa confusão durou uma década para ser resolvida e a decisão final veio do STF, que, em dezembro de 2020, estabeleceu o IPCA-E e a Selic como taxas a serem aplicadas aos passivos trabalhistas”, contextualiza Santos, ressaltando o elevado impacto financeiro decorrente da discussão. O advogado explica que até a distribuição da ação, aplica-se o IPCA-E e depois da distribuição da ação a taxa utilizada é a Selic.

Santos aconselha que as empresas fiquem atentas às discussões trabalhistas, pois prevê aumento de ajuizamentos contra elas. Houve redução significativa dos processos trabalhistas e dos valores pleiteados nessas ações a partir de 2017, com os artigos 790-B e 791-A da Reforma Trabalhista determinando o pagamento de honorários periciais e advocatícios mesmo por parte de beneficiários da justiça gratuita. Tais dispositivos foram considerados inconstitucionais pelo STF em outubro de 2021.

O efeito é que, num momento de alto desemprego, as demandas trabalhistas estão voltando a crescer e, para completar, os passivos estão sendo corrigidos pela Selic, que já ultrapassou dois dígitos. Neste ano, o STF ainda irá julgar, entre outras questões trabalhistas, a constitucionalidade do acordado sobre o legislado, outro ponto polêmico da Reforma Trabalhista.

Apoio especializado

Em meio a um possível impasse judicial, buscar apoio especializado é o melhor caminho para calcular impactos financeiros, avaliar cenários, atenuar riscos e assegurar direitos. Muitas vezes, o primeiro ponto de apoio das empresas é o contador, que está mais próximo da organização e conhece a sua realidade.

“A função do contador é orientar a empresa, inclusive destacando especialistas necessários para determinadas questões”, argumenta o presidente do Sindicato dos Contabilistas de São Paulo (Sindcont-SP), Geraldo Carlos Lima. Ao ser consultado, nesses casos, o contador vai considerar os impactos da questão na rotina da empresa e, dependendo da situação, recomendar a assessoria jurídica para aprofundar a análise e realizar a defesa legal de seus interesses.