O aplicativo é mais uma ferramenta de comunicação que passou a ser utilizada pelas empresas. Mas, para que não prejudique o negócio e as relações trabalhistas, é preciso estabelecer regras.

No Brasil, o WhatsApp está instalado em 91% dos smartphones. O dado é da pesquisa de 2017 da Conecta, uma plataforma web do grupo Ibope Inteligência, feita com dois mil internautas. Todos os dias ocorrem milhões de interações em chats e grupos criados para estabelecer a comunicação com a família, com os amigos e até com as equipes de trabalho. Em 2015, o grupo Regus, que oferece soluções de espaços de trabalho flexíveis, fez um levantamento com 44 mil executivos de vários países e apontou que 95% deles utilizam o aplicativo profissionalmente. De olho nessa tendência, o WhatsApp lançou, em janeiro de 2018, a versão Business, com foco nas pequenas e médias empresas, que utilizam a ferramenta para fazer negócios. O app agiliza a troca de informações entre a equipe ou com clientes e fornecedores, mas exige cautela para não colocar em risco a segurança de dados corporativos, as relações trabalhistas e a imagem da empresa.

Na era digital, não existem mais palavras ao vento, tudo o que foi escrito pode ser usado como prova em processos jurídicos. “O que é compartilhado no meio digital fica documentado, faz prova plena, pelo artigo 225 do Código Civil (Lei nº 10.406/02), devido a ter sido registrado por máquina mecânica ou eletrônica. Quero dizer, a testemunha é a máquina”, afirma a advogada especializada em direito digital e vice-presidente jurídica da Associação Brasileira dos Profissionais e Empresas de Segurança da Informação e Defesa Cibernética, Patricia Peck Pinheiro. Por isso, fazer backup das conversas regularmente, o que também ajuda a não perder mensagens importantes, é imprescindível. “Backup em nuvem faz parte dos requisitos básicos de segurança da informação nos smartphones, assim como colocar senha de bloqueio para o aparelho e instalar antivírus”, orienta a advogada. O risco de vazamento de informação sigilosa é outro desafio para os empresários, adverte. “É do dia a dia das pessoas tirar fotos e gravar áudios relacionados a informações da empresa e compartilhar nos grupos de WhatsApp. E ali não há controle de circulação da informação”, diz Pinheiro, que defende a criação de uma política específica sobre o uso desses recursos. “Vai desde definir um padrão de senha segura para o aparelho e estabelecer o uso de pasta criptografada até colocar como dever do funcionário informar o roubo ou o furto do equipamento”, explica a especialista.

Passivos trabalhistas

O pedido de pagamento de horas extras, decorrente do envio de mensagens fora do horário de expediente, é um dos principais passivos trabalhistas possíveis de serem gerados por conta do uso inadequado do WhatsApp, de acordo com a advogada do BVK Advogados Associados, Fabiane Maura Consalter. “Enviar uma mensagem com uma notícia ou lembrando algo para ser feito no dia seguinte, no meu entender, não gera horas extras, pois o funcionário irá apenas ler a mensagem, não fará nada naquele momento”, esclarece. Porém, se a mensagem induzir o colaborador a realizar outra tarefa ou trabalho durante mais do que alguns minutos, poderá ser considerada a hora extra.

Comentários, brincadeiras e divulgação pelo aplicativo de fatos ocorridos no ambiente corporativo podem gerar uma ação trabalhista por danos morais. “A comprovação, que antes era basicamente com prova testemunhal, agora ficou mais fácil, pois é possível salvar ou imprimir as telas das mensagens, corroborando a ocorrência dos fatos alegados”, comenta Consalter. Nesse caso, o perigo mora nos grupos de conversa. “O uso do WhatsApp gera uma proximidade (virtual, ao menos) que muitas vezes não teríamos em uma relação de trabalho, seja com os superiores hierárquicos, seja com os colegas de outros setores. No entanto, não podemos esquecer que se trata de um grupo de trabalho, que exige uma postura profissional”, avisa. A linguagem utilizada deve ser sempre respeitosa e clara, independentemente de quem é o receptor. “Melhor evitar brincadeiras, assim como gírias, abreviações e palavras com duplo sentido”, recomenda a advogada do BVK Advogados Associados. O uso de emojis também deve ser contido, por gerar dupla interpretação e até mesmo configurar excesso de intimidade.

Para que o grupo de trabalho não seja inundado com envios de textos, imagens, gifs e vídeos que nada têm a ver com a rotina profissional, o administrador precisa se responsabilizar por filtrar o conteúdo. “Ele é um mediador, para dizer isso ‘sim’, isso ‘não’. E, quando necessário, deve lembrar a todos a finalidade do grupo. Dessa forma, a ferramenta não tem seu uso desmoralizado”, aconselha a especialista em desenvolvimento organizacional e professora dos programas de MBA do Institute Business Education, conveniado à FGV, Rita Ritz. O funcionário, por sua vez, deve ser avisado previamente sobre ter seu telefone incluído no chat.

Contato com clientes

Se o celular é necessário para falar com clientes, a empresa deve garantir ao funcionário o aparelho e as condições de uso. No entanto, o contato com os clientes também deve respeitar os horários de descanso, fins de semana e feriados. “É o mesmo cuidado que se teria em outros meios de comunicação, não importa se o consumidor está com o celular o tempo todo”, argumenta Consalter. Ao usar o aplicativo para relacionamento e vendas, valem as normas do Código de Defesa do Consumidor. “Deve-se ter cuidado com os anúncios. Preços e outras condições vinculadas precisam ser cumpridas por quem oferta. O direito de arrependimento também se aplica às vendas pelo aplicativo”, ressalta a especialista.

Para criar um Código de Conduta Digital

Elaborar um manual interno sobre o uso ético, seguro, legal e saudável do WhatsApp no trabalho é importante para definir as regras a serem cumpridas. Veja de que maneira fazer isso:

  • Produza um texto em lista, com tópicos, ilustrações e exemplos didáticos. O ideal é que esse material seja formulado por um gestor, em conjunto com um advogado.
  • Entre as recomendações técnicas a serem incluídas no manual estão a importância do backup e a definição sobre onde arquivar informações. Alguns exemplos são Google Drive, OneDrive, Dropbox, iCloud, Box e SugarSync.
  • O material deve conter orientações comportamentais, como a linguagem a ser utilizada, além da especificação de quais assuntos podem ser tratados na ferramenta. Também é indispensável estabelecer o uso exclusivo durante o horário de expediente.
  • As penalidades que serão aplicadas caso haja descumprimento das normas também devem estar no manual.
  • Cada colaborador deve ter uma cópia e assinar um termo de recebimento e ciência do material.