Eventos extremos, provocados pelo aquecimento global, mudam o cenário de atuação das empresas, abrindo novas possibilidades de atuação e exigindo uma postura voltada à responsabilidade socioambiental

O clima está mudando e, com ele, o ambiente de negócios. De acordo com análise da Organização Meteorológica Mundial (OMM), 2023 foi o ano mais quente da história, com a temperatura 1,4°C acima dos níveis pré-industriais. Ou seja, essa não é mais uma questão distante ou teórica: as mudanças climáticas estão impactando empresas em todo o mundo, alterando cadeias de suprimentos, modificando padrões de consumo e impondo novas regulamentações ambientais.

Do impacto à geração de valor

“Para as empresas, em geral, mudanças climáticas estão relacionadas, principalmente, às emissões de gases do efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global”, contextualiza o diretor do Núcleo de Sustentabilidade da Fundação Dom Cabral (FDC), Heiko Hosomi Spitzeck. “O que eu observo é que, no Brasil, as empresas ainda não colocaram as mudanças climáticas nas prioridades ambientais das estratégias”.

A questão é que a agenda, que já está colocada para as organizações que atuam em mercados como o europeu, com regulamentações mais rígidas sobre o tema, gradativamente se aproxima da realidade empresarial brasileira. Regras impostas a companhias globais levam essas multinacionais a se voltarem para a cadeia de valor, puxando empresas menores e fornecedores locais.

“Vai abrir uma oportunidade para empresas que conseguem demonstrar a capacidade de auxiliar essas empresas a avançarem em suas agendas climáticas”, ressalta. Essa janela de oportunidade se reflete em conquista de novos mercados, alcance a clientes maiores e potencial para cobrar mais caro por produtos ou serviços, principalmente quando resultam em uma redução significativa e mensurável do impacto ambiental.

Uma oportunidade evidente para negócios de menor porte é o investimento em eficiência energética que, além de atenuar o impacto, reduz custos. “O Brasil está, inclusive, discutindo uma legislação frente ao mercado de carbono que, basicamente, define o quanto cada empresa pode emitir e o que passar disso terá que fazer a compensação dessas emissões e comprar o direito de emitir mais. Isso vai chegar um pouco para todo mundo, em algum momento, até para as empresas pequenas”.

Entre riscos e oportunidades

“Quando a gente fala de mudanças climáticas, principalmente para pequenas e médias empresas, de forma geral a gente fala de riscos e oportunidades”, esclarece a professora associada livre-docente da Faculdade de Ciências Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Muriel de Oliveira Gavira. “A preocupação é tanto o fato de que o negócio gera impacto quanto é impactado pelas mudanças climáticas”.

Os impactos diretos abrangem os efeitos dos eventos extremos, como secas e altas temperaturas, sobre a empresa ou sua cadeia produtiva. “As ondas de calor podem prejudicar negócios que dependem de temperatura controlada, afetar a produtividade do trabalhador e trazer prejuízos à cadeia produtiva”, exemplifica. Já os impactos indiretos decorrem cada vez mais de legislações e exigências de mercado (como as demandas dos consumidores ou do segmento de atuação da empresa).

Ter um olhar para oportunidades também é importante. “Se há uma oportunidade no mercado que a sua empresa não vai aproveitar, pode ser que um concorrente abrace e comece a ganhar mercado”, adverte. “A empresa deve olhar para esse contexto e entender como pode se beneficiar em termos mercadológicos”.

Nesse sentido, Gavira aponta as linhas de financiamento, mantidas principalmente por bancos de fomento, que oferecem condições vantajosas para ações voltadas à descarbonização, eficiência energética, substituição de equipamentos, etc. Da mesma forma, há projetos sendo mantidos por países que estão avançando na agenda climática e que estão investindo em ações junto a países em desenvolvimento, como o Brasil.

A professora da Unicamp ressalta que, entre as estratégias, as empresas devem considerar medidas de adaptação ou mitigação do impacto ambiental. Na linha de novos produtos, o caminho passa pela vegetalização da produção, ou seja, da redução no uso de insumos de origem animal e da substituição de fontes fósseis por vegetais.

Gavira comenta que as universidades contam com escolas juniores, que prestam consultoria acessível e eficaz para pequenas empresas. A aproximação com o ambiente acadêmico também favorece as iniciativas voltadas à inovação.

Parcerias estratégias com negócios de impacto

Na busca pela inovação e redução do impacto ambiental, a construção de parcerias é um caminho promissor. Os negócios de impacto se destacam nesse sentido. “Os negócios de impacto são empreendimentos que nascem com o propósito de resolver um desafio social ou ambiental. São aliados no sentido de encurtar o processo de busca por soluções, seja trazendo a solução em si, expertise ou rede de relacionamento”, explica a sócia e co-CEO do Quintessa, Anna de Souza Aranha.

De acordo com o estudo Conexão ESG, conduzido pela Pipe.Social e pelo Quintessa, três quartos das empresas listadas no Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3 estão focadas em enfrentar desafios de ação contra a mudança global do clima, trabalho decente e crescimento econômico. “O Conexão ESG reflete muito do que a gente percebe no dia a dia com médias e grandes empresas, que acabam por se tornarem um parâmetro para como o mercado vai se comportar. As empresas estão olhando muito para a parte ambiental, mais até do que pautas sociais”, argumenta Aranha, uma das coordenadoras do estudo.

“Essas empresas estão formulando essas metas, no sentido de querer declarar esse compromisso, mas têm um grande desafio ainda de como vão atingir essas metas. No olhar das soluções, entra tanto a questão da inovação interna como a inovação aberta, que é quando a agenda das empresas cruza com a dos negócios de impacto”, afirma. A aproximação com negócios de impacto pode facilitar a busca por soluções ambientais. Para isso, as empresas devem ter a abertura para uma cultura de inovação, ter a lucidez de qual é o objetivo a ser alcançado e construir uma relação de parceria, voltada para o longo prazo.