Ao validar o negociado sobre o legislado, o Supremo Tribunal Federal (STF) admite restrição de direitos trabalhistas, desde que respeitadas as garantias constitucionais asseguradas aos trabalhadores

O debate em relação aos limites sobre a negociação entre empresas e trabalhadores pactuada em acordo ou convenção coletiva é antigo, mas ganhou maior projeção com a publicação da Lei nº 13.467/17, a Reforma Trabalhista, que evidenciou a prática do “negociado sobre o legislado”, entre uma série de outras regras voltadas à flexibilização das relações de emprego.

Desde 2014, o tema está em discussão no STF, que, em junho deste ano, reconheceu que a negociação pode se sobrepor à legislação, ainda que a eventual restrição de direitos não venha acompanhada de compensação, no acordo ou na convenção coletiva.

O entendimento, entretanto, não se aplica a qualquer caso, pois os ministros da Corte estabeleceram um parâmetro que precisa ser observado na negociação: os direitos constitucionais são indisponíveis e devem ser respeitados.

A advogada do Salusse Marangoni Parente e Jabur Advogados, Andrea Gardano Bucharles Giroldo, explica que os direitos indisponíveis são os que estão previstos no artigo 7º da Constituição Federal, que trata dos direitos trabalhistas, e no artigo 611-B da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa é a proteção que deve ser resguardada e que não se sujeita à livre negociação entre empresas e trabalhadores.

Na avaliação da advogada, a decisão do STF fortalece a negociação. “Se eu tenho um sindicato dos trabalhadores, que conhece melhor a categoria, e que negocia com outro sindicato ou diretamente com a empresa, por que não respeitar essa decisão? É uma forma de respeitar os participantes dessa relação e de oferecer segurança jurídica às partes”.

Em geral, pequenas e médias empresas recorrem pouco à negociação; o mais comum é que se adéquem às normas firmadas entre o sindicato patronal e o da categoria. Nesse sentido, essas organizações são um elo mais fraco. Entretanto, podem se envolver mais nas discussões, acompanhar a negociação e até mesmo procurar o sindicato dos trabalhadores para tratar de questões mais específicas do próprio negócio e de seus colaboradores.

Para a empresa que está negociando diretamente com a categoria, a advogada adverte que, além de preservar os direitos constitucionais, é importante respeitar o que foi estabelecido na convenção coletiva dos trabalhadores para evitar futuras queixas. A única ressalva é para os casos em que a organização demonstre financeiramente dificuldade em arcar com determinada cláusula e ofereça contrapartidas adequadas à situação.

Mais transparência e clareza

“A tese que prevaleceu no STF reforça a validade das negociações, ainda que contenham cláusulas restritivas ou inferiores ao que está previsto para determinadas matérias, desde que façam sentido para a adequação setorial”, contextualiza o sócio do LBS Advogados e especialista em direito do trabalho, José Eymard Loguercio.

“Nem é uma validade absoluta de todas as cláusulas ou de qualquer tipo de limitação de direito previsto em lei, mas também não é presunção de que todo acordo é inválido. Ela tem essa característica de promover a negociação coletiva como um espaço para solução de questões setoriais e, especialmente, de adequações necessárias”. O advogado aponta que podem continuar ocorrendo questionamentos em relação às cláusulas que abordam os chamados direitos indisponíveis (previstos na Constituição).

Loguercio recomenda que as tratativas entre as partes aconteçam de forma bem-estruturada e transparente. “Os processos de negociação precisam ser mais transparentes. Quando se celebra uma convenção ou acordo coletivo, quem participou da discussão conhece o contexto relacionado àquela cláusula, só que isso não está escrito em lugar nenhum e, portanto, é importante que passe pela aprovação em assembleia. Na Itália, por exemplo, faz-se uma exposição de motivos daquela cláusula, que é uma forma de justificar a sua inclusão”.

O advogado esclarece que outro aspecto inadmissível é que a convenção estabeleça, simplesmente, a renúncia de direitos, retirando-os da vida dos trabalhadores sem justificativas ou contrapartidas.