O complexo ambiente de negócios no Brasil impõe inúmeras dificuldades para a evolução das empresas. Entretanto, a pior barreira a ser enfrentada vem de dentro: é a falta de administração qualificada.
Como um país que tem uma das mais elevadas taxas de empreendedorismo do mundo é, ao mesmo tempo, um dos líderes em mortalidade empresarial? Os dados conflitantes revelam a discrepante situação vivida pelas empresas no Brasil. “Em quatro ou cinco anos, 60% das empresas morrem”, contextualiza o presidente do Conselho Federal de Administração (CFA), administrador Mauro Kreuz. “Vivemos uma séria crise de gestão nas micro e pequenas empresas”, sublinha.
Os problemas começam na constituição do negócio, aberto normalmente por necessidade, e não por oportunidade. Kreuz comenta que o empreendedorismo brasileiro é, predominantemente, seguidor tardio das inovações. “O inovador alcança altas e rápidas taxas de retorno. O seguidor rápido é aquele que logo se adapta e tem ganhos moderados. E existe o seguidor tardio, que é a grande maioria no Brasil. Estes começam mal, se estruturam mal, não conseguem recuperar o capital. Isso ajuda a explicar a alta taxa de mortalidade”.
A boa notícia é que todo negócio pode se reformular para corrigir a trajetória, investindo em uma gestão profissionalizada, na qual ou o empresário se profissionaliza como administrador ou busca apoio especializado. “Mas para isso é preciso reconhecer as próprias limitações, esse é o ponto central”, ressalta o administrador. A questão é passar de uma gestão ainda muito vinculada à experiência e à intuição do gestor para uma administração racionalizada.
Ao buscar a profissionalização administrativa, o empreendedor precisa rever seu modelo de gestão e suas práticas, buscando aprimorá-los.
Inevitavelmente, vai se deparar com a necessidade de formalizar todos os seus processos gerenciais e operacionais. Mas, afinal, o que são os processos? “É um conjunto sequencial de etapas e ações que têm um objetivo em comum e que sempre avançam em direção à geração ou entrega de resultados”, define o presidente do CFA.
Dinâmicos e progressivos, os processos contribuem para mitigação de riscos ao negócio e são fundamentais para que a empresa evolua com segurança. “Mesmo sendo um conceito tão simples, o que mais a gente sente falta nas empresas é de processos que lhes permitam avançar”, avalia Kreuz. “Processos precisam ser institucionalizados”, frisa. Ao documentá-los, a empresa terá dados para entender, monitorar e aprimorar seus processos.
Objetivos e resultados
“Existe a ideia de que sofisticar a gestão da empresa representa custo, mas não deveria ser visto dessa maneira”, salienta a sócia-diretora de Private Enterprise da KPMG, Carolina Oliveira. “Quanto custa não profissionalizar?”, questiona. “Fora a possibilidade de perder o negócio por não antever riscos que são óbvios e que poderiam ter sido solucionados”.
Há uma série de erros gerenciais cometidos com frequência nas empresas. Um dos mais frequentes é a falta de clareza sobre os objetivos da organização. “A estratégia e os objetivos da empresa ficam muito centralizados nos fundadores e na grande liderança da empresa e não são bem comunicados para quem está na operação”, afirma Oliveira. “Não existe nenhum planejamento estratégico que sobreviva a isso, porque ele vira uma folha de papel e não consegue ser executado. A centralização dos processos em poucas pessoas é um fator extremamente crítico por impedir que a empresa tenha um crescimento orgânico, em que todos têm responsabilidades e objetivos claros e reportam a execução dessa estratégia”.
Atualmente, novos métodos de gestão têm se destacado por contribuir para a qualificação da gestão e dos processos. Oliveira cita os métodos ágeis como sendo muito adequados para empresas que atuam com produtos digitais e que estão focadas em identificar necessidades e problemas dos clientes; estabelecer uma jornada de compras; desenvolver produtos; e colocá-los em teste. “Assim, vão testando e relançando produtos em um ciclo de sprints (etapas) e validação”.
Na KPMG, um modelo de gestão, que tem sido adotado com clientes de diferentes portes e segmentos, é o OKR (Objectives and Key Results, objetivos e resultados-chave). Segundo Oliveira, o método é uma evolução de outros modelos, como BSC (Balanced Scorecard) e o PDCA (também conhecido como ciclo de melhoria contínua). “O OKR é um modelo mais pautado em resultado. Geralmente, se estabelece um ciclo de três meses e o que pode ser executado nesse período”, explica. Por ser mais curto, o método é mais flexível, permitindo mudanças de rota com maior facilidade. “É mais curto, com foco maior na execução e permite mudanças ágeis”.
Gestão sob controle
“O grande desafio das empresas quando o tema é profissionalização da gestão é o controle e o planejamento”, argumenta a coordenadora da Empresa Júnior Fundação Getúlio Vargas (EJFGV), Gabriela Gatti. “Muitas vezes, os sócios ou a diretoria trabalham com foco em ‘apagar fogo’ e não conseguem nem planejar o futuro da empresa nem controlar o sucesso de seus planos”, acrescenta o presidente da EJFGV, Lucca Sampaio.
Desenvolver um plano estratégico ajuda a retomar esse controle, mas é preciso levar em conta tanto os problemas e os desafios internos quanto o macroambiente. “A partir disso, é importante definir uma macrometa e como cada área deverá agir para atingi-la, definindo responsáveis em cada setor”, orienta Sampaio. Em sua opinião, é indispensável “ter objetivos e resultados-chave para cada iniciativa, controlando também o desempenho de cada um dos funcionários. Assim, a empresa terá clareza de onde quer chegar e como deve agir para isso”.
Entre os problemas de gestão mais comuns identificados nas pequenas e médias empresas para as quais a EJFGV presta consultoria estão o retrabalho, a má definição de funções, a falta de automatização de processos, o uso inadequado de ferramentas, a desmotivação entre os funcionários e as falhas de gestão. A administração profissionalizada existe para identificar os métodos e as ferramentas que podem contribuir para corrigir todos esses problemas e gerenciar outros riscos para o negócio.