Um dos momentos decisivos para as empresas familiares é a substituição no comando do negócio, processo que envolve o enfrentamento de questões complexas e um planejamento de longo prazo
Cerca de 90% das empresas do País são familiares, segundo dados apurados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Independentemente do porte ou do segmento, todas enfrentam o desafio da sucessão, um processo-chave para determinar o futuro do negócio.
A transição é complexa, pois envolve tanto aspectos psicológicos e emocionais, como o relacionamento entre membros da família, quanto gerenciais, a exemplo das diferentes esferas na tomada de decisão. Por isso, nem todas sobrevivem a essa etapa.
O doutor em Administração e professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Claudio Eduardo Ramos Camfield, cita que diferentes estudos no mundo apontam que apenas 30% das empresas familiares sobrevivem à transição entre a primeira e a segunda geração – esse percentual chega a 5% na passagem entre a segunda e a terceira geração. O dado é relativo à média global e serve de parâmetro para a realidade brasileira, mas em países mais desenvolvidos, as taxas de sobrevivência podem ser significativamente maiores.
Vários fatores justificam esses números. Camfield menciona os aspectos pessoais, do fundador (ou de quem está no cargo a ser sucedido) e do sucessor. No primeiro caso, surgem receios como o medo da aposentadoria ou da morte, a perda do poder e o fato de não se sentir mais útil. A pessoa que vai suceder, dependendo de como foi criada e considerando até mesmo percepções subjetivas (por exemplo, quando criança observava apenas queixas por parte dos pais em relação ao negócio) pode manifestar falta de autoconfiança, de interesse e de comprometimento.
“Os fundadores construíram o negócio com paixão”, destaca o doutor (PhD) em Psicologia Werner Bornholdt, fundador da Werner Bornholdt Governança, idealizador do Encontro de Empresas Familiares (Enef) e autor de livros sobre o tema. Ele comenta haver diversos estudos técnicos demonstrando que o grau de empreendedorismo dentro da organização reduz a cada geração. Além disso, tanto Camfield quanto Bornholdt ressaltam que conflitos geracionais e familiares podem dificultar a transição.
Quando e como
A questão central é planejar a sucessão para que seja mais fácil lidar com os aspectos humanos e as questões organizacionais que influenciam a transição. Esse planejamento deve começar com bastante antecedência e o momento preciso da sucessão precisa ser cuidadosamente avaliado.
De forma prática, pensar na sucessão é projetar o futuro da organização. Por isso, o tema deve estar presente nos planos estratégicos desde sempre. “No momento de fundação de um negócio familiar já deve, a partir de então, pensar na sucessão e planejar de que forma esse negócio vai se perpetuar nas futuras gerações”, defende Camfield.
A demora em olhar para esse aspecto pode representar prejuízos até mesmo na preparação dos sucessores. Bornholdt lembra que muitos pais retardam o envolvimento dos filhos com a empresa, priorizando a formação e especialização educacional. “Aí, o sucessor volta com 30 anos, olha para a empresa e não sente aquela paixão”, explica. “Mais importante do que fazer MBAs fora é trazer os sucessores desde jovens para dentro, para terem afeto pelo negócio”.
Isso não tem a ver com colocar crianças para trabalhar ou delegar grandes responsabilidades a jovens que ainda não foram devidamente preparados para isso, mas com criar conexões. Camfield afirma que é preciso permitir que os sucessores “participem do dia a dia para enxergar tanto o que a empresa tem de bom quanto as suas dificuldades”.
O primeiro passo nessa jornada é definir como a família deve se posicionar em relação ao negócio. Seria uma espécie de pacto ou protocolo familiar para orientar decisões sobre a empresa. “Pode começar com o básico: qual é a visão da empresa, a missão, o propósito dessa família e quais são os códigos de conduta/valores que pretendem preservar”, ensina Bornholdt. “É um documento formal que vai conduzir os comportamentos e as decisões dos próprios membros que atuam na empresa”, acrescenta Camfield.
Formar um conselho familiar e de sócios para discutir, periodicamente, o futuro da organização é outra medida importante para a sustentabilidade do negócio.