Aprovação do texto no Congresso Nacional é o primeiro avanço da mudança, que vai alterar o sistema tributário brasileiro; expectativa é de que a transição comece em 2026, com as regulamentações legais.

A trajetória da reforma tributária no Brasil está prestes a alcançar um capítulo decisivo. Após ser aprovada na Câmara dos Deputados, sua análise pelo Senado Federal é aguardada com grande expectativa por empresários, investidores e especialistas econômicos. O grande mérito da mudança está na simplificação do sistema, considerado um dos mais complexos do mundo.

Em meio à sua tramitação, a expectativa é de que as questões centrais das propostas sejam preservadas. Entre as principais mudanças está a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) Dual, que englobará uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre estados e municípios.

“O que se espera com a adoção do modelo IVA é a simplificação do sistema, maior transparência e redução do contencioso tributário”, ressalta o sócio do Bichara Advogados, Luiz Gustavo Bichara. “O IBS e a CBS são como gêmeos idênticos, com as mesmas regras, bases de cálculo, hipóteses de incidência e regimes diferenciados”, explica. Mas ele pontua que, “além de uma legislação única, isso significa, também, extinguir todos os regimes fiscais diferenciados e os benefícios fiscais que, durante décadas, foram concedidos por estados e municípios para a atração de investimentos”.

Para as empresas que atualmente usufruem de algum benefício fiscal, Bichara alerta sobre a necessidade de se preparar para o fim desses incentivos, considerando a adequação a uma regra geral. Isso vale, principalmente, para benefícios relacionados a tributos como Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

“A atenção deve ser ainda maior para aquelas empresas que, hoje, encontram-se no lucro presumido e recolhem o PIS/Cofins à alíquota de 3,65%. Essas devem sofrer um aumento da carga nominal, já que a CBS deverá ter uma alíquota de 12%, representando um aumento significativo da tributação”, orienta.

Quanto às micro e pequenas empresas, Bichara observa que não haverá mudança substancial no regime do Simples Nacional. “No entanto, há uma regra que os empresários do Simples poderão optar pelo recolhimento do IBS/CBS, podendo se beneficiar do sistema caso tenham créditos suficientes para aproveitarem as regras de não cumulatividade”, acrescenta.

Diante da expectativa de que a proposta seja aprovada pelo Senado até o fim deste ano, as empresas já devem ficar atentas ao processo de transição, recomenda o advogado. Ao acompanhar o andamento da reforma bem como das leis complementares e das futuras regulamentações, será possível identificar os impactos tributários e as alternativas para atenuá-los.

Simplificação e incertezas

“A reforma tributária, no que se avançou até o momento, representa algo extremamente importante, porque estamos falando de um sistema tributário caótico, de elevada complexidade”, afirma o professor do Departamento de Economia da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, Claudio Paiva. Nesse sentido, a alteração proposta é uma conquista inquestionável, mesmo que o tema ainda esteja em negociação e sujeito a mudanças.

Paiva observa que a discussão envolve grupos de interesses, alguns dos quais com fortes representações no Congresso Nacional – as bancadas. “Há um risco muito grande de que as velhas ineficiências que reconhecemos no nosso sistema tributário continuem, com novas distorções alocativas em favor daqueles grupos que conseguiram se movimentar de maneira mais eficiente ao longo da tramitação do processo nas duas casas legislativas”.

Apesar disso, o que se viu na votação realizada pela Câmara dos Deputados foi a manutenção da “espinha dorsal” da proposta. “A questão fundamental, que é a simplificação, foi mantida, assim como a uniformização de tributos, o fim da cumulatividade, a tributação no destino (o que ajuda a acabar com a guerra fiscal), a lógica de acabar com a tributação por dentro. Aí temos um conjunto de ações que se manteve”.

O professor vê com cautela o processo de regulamentações, a próxima etapa após a aprovação do texto. “A lógica de pensar que se vai ter uma reforma tributária e ninguém vai sair perdendo não existe, porque a mudança é distribuída sob o pretexto de que alguns setores vão ter que pagar uma parte da conta e outros não”.
Em relação aos setores, ele destaca que os serviços, caracterizados por uma atividade econômica que se desenvolve em menor número de etapas, terá uma tributação maior. “Os demais setores, seja agrícola (que conseguiu muitos benefícios), seja o industrial, vão ter uma tributação que talvez até seja menor do que a atual”.

Planejamento na transição

“A reforma tributária está em linha com o mercado internacional, com a América Latina e principais parceiros comerciais, com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)”, demonstra o professor permanente no Doutorado e Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Paulo Caliendo. “O Brasil quer entrar na OCDE e, para isso, tem que ter um alinhamento internacional”.

Caliendo avalia que o novo sistema vai favorecer a competitividade do país, trazendo mais clareza e simplificação, sobretudo para setores como o agronegócio e a indústria. Outro ponto relevante é o fim da litigiosidade que existe no país hoje, decorrente da confusão sobre o que é mercadoria e o que é serviço. “Essa divisão será extinta”.

O professor também salienta que a transição prevista (confira as fases na seção Painel) não será abrupta, mas é importante que as empresas já comecem a se preparar para as novas regras. “Considerando que algumas alterações práticas vão ocorrer em 2026, existem algumas mudanças de planejamento estratégico de empresas que vão começar a ocorrer a partir de agora, porque muitas organizações projetam investimentos para cinco anos ou com prazos ainda mais longos”, argumenta. Além disso, haverá dois sistemas vigentes no início, o que vai exigir atenção no processo de adaptação. A recompensa será a tão esperada simplificação e melhoria da competitividade.