Prazo de compensação pode chegar a 20 anos, com correção monetária do saldo baseado em índice de inflação e utilização dos valores condicionada às regras dos fiscos estaduais

A reforma tributária prevê a extinção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) até dezembro de 2032. Pelas regras previstas na Emenda Constitucional nº 132/23, que altera o sistema tributário, e na regulamentação estabelecida pelo Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108/24, os créditos de ICMS pendentes até a extinção do tributo poderão ser usados no novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A má notícia é que isso se dará em 240 parcelas mensais, o que estende a utilização do saldo para até 20 anos, um prazo excessivamente longo. A análise é do professor de Direito Tributário da FAAP, diretor da Associação Paulista de Estudos Tributários (Apet) e sócio da San Martín e Carvalho Sociedade de Advogados, German Alejandro San Martín Fernández. “Se, no Brasil, 60% das empresas não sobrevivem após cinco anos (segundo dados do Sebrae), o prazo estipulado pode resultar no não aproveitamento dos valores em virtude da extinção da pessoa jurídica detentora dos créditos”, argumenta.

Durante esses 20 anos, o valor do crédito será reajustado pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Essa correção pode representar perda de rentabilidade, especialmente porque o padrão fiscal aplicado à cobrança dos tributos adota a taxa básica de juros (Selic) como referência.

“Há um descompasso entre o direito do fisco e as obrigações do contribuinte, já que o fisco tem direito de receber tributos inadimplidos com base na Selic e, agora, o contribuinte terá seus créditos atualizados apenas pelo IPCA”, avalia o juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT/SP), professor de Direito Tributário e sócio-fundador da Bergamini Advogados, Adolpho Bergamini.

O problema, no entanto, começa bem antes da contagem desse prazo. Para compensar créditos de ICMS, é preciso passar por um processo de homologação estadual. “Cada estado define seus critérios”, esclarece San Martín. “Essa complexidade, decorrente de regras específicas por unidade da federação, já representa uma dificuldade a mais para empresas que atuam em âmbito nacional”, acrescenta.

Bergamini cita o exemplo de São Paulo: para realizar a transferência de créditos para terceiros é necessário ter autorização expressa do secretário da Fazenda. Além disso, o sistema próprio do estado (e-CredAc), usado para apuração, traz limitações: quem opta pelo cálculo simplificado pode homologar, no máximo, 10 mil Unidades Fiscais do Estado de São Paulo (Ufesps) — equivalente a pouco mais de R$ 370 mil. Mesmo após homologação, o uso dos créditos pode ser restrito a aquisições específicas, como insumos ou ativos imobilizados.

Alternativas e riscos

A situação é mais crítica para exportadores, que acumulam créditos por pagarem ICMS na cadeia produtiva sem incidência nas vendas externas. Empresas que operam com benefícios fiscais ou adquirem mercadorias com alíquotas maiores enfrentam obstáculos semelhantes.

Segundo Bergamini, alternativas como transferência de créditos para empresas do mesmo grupo ou venda para terceiros normalmente só se concretizam após homologação. “Se for identificada a tomada de créditos indevidos, o contribuinte pode ser autuado, com exigência das respectivas glosas”, pontua. “A recomendação é revisar minuciosamente os créditos e manter a documentação em dia para mitigar riscos de questionamentos”.

Em busca de liquidez, muitas empresas recorrem à venda de créditos com deságio. “A monetização é bem-vinda, mas sujeita a limitações e riscos, como a reversão judicial da liberação dos créditos”, pondera San Martín. A via judicial tem sido favorável aos contribuintes, possibilitando imediata liberação dos créditos para transferência. No entanto, é necessário considerar a possibilidade de que a decisão seja revertida em instâncias superiores.

Nesse contexto, cabe analisar a realidade específica do negócio. Cada empresa precisa fazer seu planejamento tributário avaliando créditos, custos de transação, riscos e oportunidades.