O número de recuperações está aumentando desde o segundo semestre de 2022e deve crescer ainda mais neste ano, situação que é reflexo do cenário econômico, ainda desafiador para muitos negócios

A Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei nº 11.101/05) tem evoluído desde que foi sancionada, em 2005. A atualização mais recente trouxe novos mecanismos para socorrer negócios em dificuldade e que podem ser acessados pelas organizações de micro e pequeno porte.

Casos recentes e emblemáticos de grandes recuperações, como a da Americanas, da Odebrecht e da Oi, revelam que qualquer negócio pode enfrentar dificuldades. E os instrumentos que a lei oferece têm ajudado a preservar a atividade econômica.

Antes da recuperação

Existem mecanismos prévios à recuperação judicial que podem ser utilizados pelas empresas. Normalmente, esse é uma opção menos onerosa e mais adequada às necessidades das organizações de micro e pequeno porte.

Boa parte desses negócios ainda enfrenta os efeitos da pandemia da Covid-19. No auge da crise sanitária, essas empresas contaram com medidas de apoio, como prorrogação no prazo de pagamento de tributos, redução dos custos com a folha de pagamento e crédito facilitado. Agora, as contas voltaram a ser cobradas, em um cenário de receitas ainda abaixo do ideal e com a taxa de juros em um patamar superior.

“Muito embora exista previsão na lei para recuperação de micro e pequenas empresas, o custo desse processo pode torná-lo inacessível”, avalia o juiz de direito titular da 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo e professor do departamento de direito comercial da PUC/SP, Daniel Carnio Costa.

Na prática, algumas empresas precisam apenas renegociar as dívidas com credores e readequar o ciclo financeiro do negócio para retomar a capacidade de pagamento. A negociação, nesses casos, pode ocorrer por meio dos procedimentos de pré-insolvência (mediação e conciliação), que são realizados em uma câmara privada ou em um Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc).

Durante a negociação, a empresa pode solicitar uma medida judicial de suspensão das execuções pelo prazo de 60 dias. Costa explica que o período de interrupção das cobranças é quando a organização apresenta sua proposta de reestruturação das dívidas, sem que seja necessário seguir para uma recuperação judicial.

Os recursos mais usados na negociação são o alongamento do prazo de pagamento e o deságio (redução dos juros cobrados). Essas medidas, somadas ao período de suspensão das cobranças, costumam ser suficientes para pequenas empresas com poucos credores e sem um conjunto amplo de ativos, como plantas industriais.

Ativos e financiamento

O caminho da recuperação judicial é particularmente benéfico para as empresas que têm um montante elevado de dívidas, muitos credores e ativos que já não fazem mais sentido para suas operações (estão ociosos).

Negociar um valor elevado de dívidas junto a diversos credores é algo complexo, e a recuperação judicial prevê uma negociação ampla. No entanto, as condições propostas precisam ser aceitas em assembleia.

Outro benefício desse instrumento diz respeito ao patrimônio, que, muitas vezes, sustenta a quitação dos débitos e a reorganização do negócio. A questão é que a empresa em dificuldade financeira nem sempre consegue se desfazer de ativos, e esse é um problema que a recuperação judicial consegue resolver.

“Existem empresas com excelentes ativos, como plantas fabris e linhas de montagem modernas, mas que é uma estrutura que não está mais conseguindo performar”, contextualiza o presidente da Comissão Especial de Falências e Recuperações Judiciais da OAB/RS e CEO da empresa de investimentos e reorganização empresarial Tarvos Partners, Roberto Martins. “A recuperação possibilita a venda daquele ativo sem que o comprador ou o investidor assuma a responsabilidade sobre os passivos”.

Além disso, a lei prevê mecanismos para que as empresas em recuperação tenham acesso a uma modalidade específica de empréstimo. Trata-se do sistema debtor in possession (DIP), que, em tradução literal, significa devedor em posse. O financiamento DIP é muito comum nos Estados Unidos e, aqui, foi instituído em 2020, quando foram promovidas mudanças na lei de recuperações.

Martins cita que essa é uma forma de “garantir o financiamento dentro da crise”. Para a empresa em recuperação, o acesso ao empréstimo pode viabilizar investimentos e assegurar a reestruturação do negócio. Já os investidores que vão conceder o crédito contam com uma segurança maior e passam a ter prioridade para receber os valores devidos em relação aos demais credores da empresa.

Instrumento de proteção

A advogada e sócia do escritório Bumachar Advogados Associados, Hayna Bittencourt, ressalta que o principal objetivo da recuperação judicial é preservar a atividade econômica para que a empresa continue gerando receita e empregos. Esse propósito, que direciona a lei, alcança, inclusive, as organizações de micro e pequeno porte.

Para que esse seja um instrumento viável para esses negócios, a lei estabelece algumas regras. Por exemplo, a remuneração do administrador judicial é limitada a 2% do total da dívida empresarial. Esse profissional tem o papel de fiscalizar e acompanhar o procedimento de recuperação judicial da empresa, mas não tem poder de gestão sobre o negócio.

Previsões como essa existem para “não esvaziar a possibilidade de esse empresário buscar o instituto da recuperação judicial”, argumenta. Os honorários advocatícios também são, normalmente, calculados com base em um percentual do passivo e podem ser pagos de forma parcelada. Segundo a advogada, o processo é viável para pequenos negócios, caso essa seja a melhor opção para socorrer a empresa.

“A lei permite a suspensão de ações e execuções pelo prazo de 180 dias, prazo que pode ser prorrogado durante o processo”, detalha. “Só isso já dá um respiro muito grande para aquele empresário”. Durante esse período, ele apresentará a proposta de reorganização com o objetivo de repactuar as dívidas em condições mais adequadas à sua realidade atual.

Bittencourt reforça que a recuperação judicial é um mecanismo de proteção. Portanto, não há constrangimento em usar esse instrumento. O empresário em dificuldade deve fazer um levantamento da situação financeira da empresa (o contador é o profissional que pode auxiliá-lo nisso) e buscar apoio para recorrer às alternativas mais adequadas para o seu caso.