A trajetória de crescimento numa empresa nem sempre precisa culminar num cargo de gestão ou liderança. É o que demonstram as novas possibilidades, mais alinhadas aos perfis técnicos e especializados
Você entraria num jogo sem saber exatamente quais regras e etapas você precisa cumprir para avançar e concretizar os objetivos propostos? Pois é exatamente isso que acontece em muitas empresas que não têm um plano de carreira bem estruturado e comunicado às suas equipes.
Definir um plano de carreira é como estabelecer as regras para que tanto a empresa quanto seus funcionários entendam para onde estão indo e quais papéis precisam desempenhar a cada etapa percorrida. O doutor em Ciências Sociais e professor da PUC-SP, Marcelo Antônio Treff, observa que o grande desafio enfrentado pelas organizações nesse processo é definir um plano de carreira alinhado à sua estratégia de negócios.
Quando o assunto se volta para as questões estratégicas, alguns desafios começam a se sobressair em relação à estrutura de cargos. O primeiro ponto é entender que o modelo tradicional de crescimento nas organizações, conhecido como linear, talvez, já não atenda mais às necessidades nem da empresa nem dos novos profissionais. “A carreira linear é começar em uma determinada área, em um cargo básico e, paulatinamente, ir crescendo de alguma forma, alternando mérito e maturidade. A maturidade, com o tempo de serviço, e o mérito, com sistemas de avaliação de desempenho”, explica Treff.
O problema é que, nem sempre, essa avaliação segue um sistema formal ou tem critérios claros para todos. “O que acontece é que surgem as decisões arbitrárias, o que, nos últimos anos, tem incomodado os mais jovens, porque, tradicionalmente, as pessoas com mais tempo de casa ficam com avaliação positiva e crescem na carreira”, detalha o professor. Mesmo que o profissional promovido seja a melhor pessoa para assumir aquele cargo, a ausência de parâmetros pode fazer com que aquelas pessoas que foram preteridas se sintam injustiçadas. Nesse contexto, o processo de ascensão perde a objetividade e a percepção de todos passa a ser subjetiva.
Outro aspecto em relação ao sistema linear de carreira é que ele tende a colocar pessoas que se sobressaem em suas funções em cargos de liderança. Muitas vezes, esses profissionais são excelentes no que fazem, mas não estão preparados para atuar em funções gerenciais ou, ainda, sequer têm esse interesse ou vocação – isso não quer dizer que não almejem crescimento. Fato é que existem outros caminhos para reconhecer, valorizar e aproveitar melhor esses talentos sem, necessariamente, oferecer uma função de liderança.
“A carreira em Y é essa alternativa, de manter a possibilidade de crescimento num eixo que é técnico; então, o profissional continua se desenvolvendo tecnicamente e tem o mesmo status em termos de poder e remuneração comparado àqueles que ocupam cargos de gestão”, revela Treff.
Novas configurações
Pensar num plano de carreira que privilegie o conhecimento técnico ou especializado da mesma forma que valoriza as competências de liderança é essencial para que as empresas consigam gerenciar melhor seu capital intelectual. “Perder um excelente técnico é muito ruim, porque faz com que a empresa perca o know-how e, muitas vezes, ela não tem como reaver esses conhecimentos”, comenta a diretora de remuneração da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil) e diretora da consultoria IMC Desenvolvimento Empresarial, Iêda Vecchioni.
Na carreira em Y, um profissional que tenha um excelente desempenho técnico pode tanto ser promovido para um cargo de líder quanto para um cargo de especialista. Ao oferecer possibilidades de crescimento com remuneração e benefícios equivalentes, a organização permite que cada pessoa construa uma trajetória com base em suas competências e interesses.
O eixo da especialidade, na carreira em Y, acaba por reunir “pessoas muito boas em resolver problemas, fazer pesquisa e trazer inovações”, exemplifica Vecchioni. Ela ainda menciona outro modelo menos conhecido, chamado carreira em W, que também pode ser considerado pelas organizações.
“A carreira em W também tem a trilha da liderança, da especialização, e tem uma terceira possibilidade que é a dos gerentes de projetos, que têm equipes, mas apenas naquele período em que estão gerenciando um determinado projeto.” O gestor de projetos, neste caso, assume apenas a responsabilidade técnica pelos times, que são mutáveis, de acordo com os projetos.
Independentemente do formato que a organização vai seguir, a especialista sublinha que a definição do plano de carreira depende de direcionadores estratégicos. Para isso, a empresa precisa instituir ou reavaliar aspectos como missão, visão e valores, e uma estrutura organizacional condizente com esses direcionadores.
Personalização e diversidade
“Cada organização vai ter que buscar o melhor modelo dentro daqueles existentes (linear, horizontal, paralelo, em Y, em W, etc.), o que mais se adéque a ela”, avalia o coordenador do Grupo de Excelência em Administração Estratégica de Pessoas e Tecnologias (Geape Tech), do Conselho Regional de Administração (CRA-SP), o administrador Rogério Parente. Ele alerta que copiar simplesmente o formato adotado por outra empresa bem-sucedida não é a abordagem mais eficaz.
“Muitas vezes, a empresa vai ter que cruzar esses modelos”, argumenta. Nesse caso, a estrutura pode ser a da carreira em Y para a área técnica, mas criar um plano linear em outros departamentos. “Cada organização vai encontrar o seu modelo. Em algumas, o plano de carreira vai continuar sendo o que já é, sem muitas alterações, mas tem outras organizações que vão ter que mudar completamente tudo”, acrescenta. Segundo Parente, o plano de carreira ajuda a empresa a construir o relacionamento de longo prazo com aquele funcionário que tem o desejo de permanecer na organização.
No cenário atual, a reflexão sobre esse ponto também pode ser decisiva para que a empresa consiga se posicionar para o futuro. “De onde vêm as competências das organizações? Das pessoas. Se não for feita uma autoavaliação, um inventário das competências que se tem e das que serão necessárias para o futuro, a empresa está arriscada a ficar obsoleta. A obsolescência, para uma organização, é praticamente uma sentença de morte”. Em relação às tendências, Parente destaca que os planos de carreira vão precisar incorporar mais as questões da diversidade, equidade e do desenvolvimento constante provocado pela evolução tecnológica.