À espera de definição do Supremo Tribunal Federal, avanço da contratação via pessoa jurídica levanta alertas sobre perdas fiscais, fragilização da CLT e esvaziamento da Justiça do Trabalho

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de suspender temporariamente todos os processos relacionados à chamada “pejotização” em tramitação na justiça brasileira abre caminho para que a Corte defina, com repercussão geral, os limites legais dessa prática. A medida pode afetar tanto o equilíbrio das relações de trabalho quanto as finanças públicas, em especial a arrecadação previdenciária.

Na prática, pejotização é o nome dado à contratação de trabalhadores por meio de pessoa jurídica (PJ), mesmo quando estão presentes características típicas de vínculo empregatício, como subordinação, habitualidade, pessoalidade e remuneração fixa. A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece esses requisitos como definidores de uma relação de emprego.

Nos últimos anos, decisões do STF sobre terceirização passaram a ser interpretadas de forma ampla, o que gerou divergências internas. Pela legislação atual, a terceirização é permitida para qualquer atividade da empresa, desde que o serviço seja prestado por outra pessoa jurídica e que os trabalhadores dessa prestadora sejam empregados formais.

Enquanto alguns ministros enxergam diferenças claras entre os dois modelos, outros passaram a tratá-los como semelhantes, o que reforça a necessidade de um consenso no STF.

Além da legalidade da pejotização, o STF também analisa se a Justiça do Trabalho continuará sendo o foro competente para julgar esse tipo de relação, diante do argumento de que contratos firmados nessa modalidade teriam natureza civil.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) tem acompanhado o tema com preocupação. Para o órgão, a pejotização, quando usada como instrumento para ocultar vínculos empregatícios, fragiliza os direitos dos trabalhadores.

“O Ministério Público do Trabalho entende que quando uma empresa contrata um trabalhador como pessoa jurídica, mesmo quando estão presentes os requisitos das relações de emprego, isso é fraude. Nesse caso, ela está burlando a aplicação da legislação trabalhista”, afirma o procurador do trabalho do MPT, Renan Bernardi Kalil.

Kalil também chama atenção para o impacto fiscal. Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que, se metade da força de trabalho formal passasse a ser PJ, a perda anual seria de R$ 384 bilhões – o equivalente a 16,6% da arrecadação federal de 2023.

Segundo a mesma pesquisa, entre 2018 e 2023, a perda acumulada pode ter chegado a R$ 144 bilhões, considerando os profissionais que atuam como autônomos, mas poderiam estar contratados com carteira assinada. “Estamos falando de um impacto relevante na arrecadação pública”, diz.

Parâmetros claros para regimes de contratação

A sócia da Granadeiro Guimarães Advogados, Adriana Pinton, defende que o STF estabeleça limites. “Em termos trabalhistas, é importante definir parâmetros claros para que este tipo de contratação não seja adotada de forma irrestrita”, pondera.

“O melhor cenário seria o STF definir critérios para que ocorra a pejotização. Por exemplo, autorizar o regime apenas para profissionais com nível superior, e que o valor pago seja maior que duas vezes o teto da Previdência Social, equiparando este profissional aos empregados hipersuficientes da CLT”, explica Pinton, referindo-se aos trabalhadores com diploma superior e com maior autonomia de negociação salarial. A medida evitaria a precarização entre trabalhadores com baixa renda, que muitas vezes aceitam esse modelo por falta de alternativas.

Enquanto o STF não se posiciona, a recomendação é de cautela por parte das empresas. A contratação de PJ deve ser sempre formalizada por contrato, sem elementos de subordinação. A prática de recontratar ex-empregados como PJs também deve ser evitada.

A expectativa é que o julgamento ocorra no segundo semestre deste ano. O MPT tem atuado para que haja audiência pública e participação de entidades interessadas. “Todas essas preocupações precisam estar na mesa para que o Supremo Tribunal Federal venha a tomar a melhor decisão possível diante dessa conjuntura”, conclui Kalil.