Tanto a Constituição Federal quanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vedam a discriminação salarial – a questão, agora, é reforçada pela Lei nº 14.611/23, em vigor desde 4 de julho de 2023.

A igualdade salarial para pessoas que exercem funções idênticas é um direito consagrado pela Constituição Federal, que proíbe a diferença de salários por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. Esse mesmo preceito é aprofundado na CLT, que, no Art. 461, explica que a equiparação ocorre quando o trabalho “for feito com igual produtividade e com a mesma perfeição técnica, entre pessoas cuja diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a quatro anos e a diferença de tempo na função não seja superior a dois anos”. O tema ganhou mais um reforço, com a publicação da Lei nº 14.611/23, que se volta para a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.

A lei define medidas que estão alinhadas a esse objetivo, como: mecanismos de transparência salarial; maior fiscalização do poder público sobre a questão; incorporação de canais de denúncias por parte das empresas; adoção de programas voltados à diversidade e inclusão nas organizações; fomento à capacitação e à formação de mulheres visando a participação no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Uma das principais disposições da lei se refere às empresas com 100 ou mais empregados, as quais devem divulgar semestralmente relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios. No entanto, é necessário que, ao fornecer as informações, as empresas observem as regras previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), sob pena de multa.

A lei também incorporou dois novos parágrafos ao Art. 461 da CLT, prevendo punições para os casos de discriminação salarial (por motivos de sexo, raça, etnia, origem ou idade). Os dispositivos validam a possibilidade de direito à indenização por danos morais. Além disso, prevê que, em caso de infração, a empresa poderá ser multada em até 10 vezes o valor do novo salário devido ao empregado discriminado – valor que pode ser dobrado em caso de reincidência, alterando o Art. 510 da CLT.

Boas práticas e segurança jurídica

Os custos da desigualdade salarial entre gêneros podem ser elevados para as empresas. A advogada e sócia do escritório Costa Oliveira Advogados, Fátima Costa Oliveira, lembra que, além das penalidades previstas (como dano moral e multa), há o pagamento das diferenças à pessoa prejudicada. Por isso, é importante que as organizações adotem os mecanismos previstos na nova legislação (por exemplo, disponibilizar um canal para recebimento de denúncias) e observem os critérios da CLT quanto à equiparação salarial.

“Continuamos com os mesmos requisitos do Art. 461 da CLT, que devem ser analisados e aplicados em relação à remuneração”, argumenta a advogada. Esse é um ponto importante, sobretudo para justificar possíveis diferenças remuneratórias que possam estar relacionadas a aspectos como o tempo de serviço na empresa. Rever ou adotar uma política de cargos e salários, que esteja alinhada a essas regras, é uma boa prática organizacional para evitar subjetividade nos critérios de promoção e remuneração. Ela opina que o cumprimento das disposições da Lei nº 14.611/23, combinado com o Art. 461 da CLT por parte das empresas, pode evitar reclamações trabalhistas envolvendo quantias vultuosas a título de indenizações.

Luta histórica

A professora e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia (NPGE) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Hildete Pereira de Melo, recorda que, apesar da previsão constitucional e da CLT, a realidade, no Brasil, ainda é de desigualdade salarial entre homens e mulheres. Ou seja, a nova lei é mais um instrumento que pode não ter efeito prático. Conquistas sociais, como essa, dependem de organização e luta coletiva.

“A licença-maternidade, por exemplo, é fruto de uma luta pesadíssima que a gente travou na Constituinte”, comenta. Justamente em função desses avanços e da demanda social é que as empresas precisam não apenas cumprir o que determina a lei, mas entender que a igualdade cria um ambiente de trabalho com melhores condições para todos. “Na terceira década do século XXI, a igualdade salarial entre os sexos é o reconhecimento de uma luta centenária das mulheres em todos os países por um salário igual para trabalho”.