Teletrabalho tem novas definições trazidas por Medida Provisória (MP) que assimila parte das práticas adotadas pelas empresas recentemente, mas exige atenção a aspectos essenciais das relações trabalhistas
Publicada em março, a MP nº 1.108/22 alterou trechos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) relacionados ao teletrabalho, modalidade que ganhou relevância durante o enfrentamento à pandemia da Covid-19. O texto regulamenta algumas das principais questões relacionadas à modalidade.
A sócia da área trabalhista do Demarest Advogados, Cássia Pizzotti, e o advogado trabalhista do mesmo escritório, Ivan Nogueira Lima, elencam seis mudanças importantes:
- teletrabalho está configurado mesmo quando não há preponderância do sistema remoto, abrangendo, assim, os regimes híbridos e flexíveis;
- contrato de teletrabalho pode ser baseado em produção ou tarefa, caso em que não se aplica o controle de horário;
- autorização para contratação de estagiários e aprendizes no regime de teletrabalho;
aplicação, aos empregados em regime de teletrabalho, da legislação local, bem como de convenções e acordos coletivos relativos à base territorial do estabelecimento em que estão lotados; - empregado admitido no Brasil que optar pela realização do teletrabalho fora do País permanece amparado pela legislação brasileira, excetuadas as disposições constantes na Lei nº 7.064/82 e salvo manifestação em contrário estipulada entre as partes;
- pessoas com deficiência e empregados com filhos (ou guarda judicial de criança) até quatro anos devem ser priorizados na alocação em vagas para atividades desenvolvidas em teletrabalho.
De acordo com a professora da FGV Direito SP, Alessandra Benedito, as medidas estabelecidas pela MP aumentam a segurança jurídica das empresas em relação ao que já vinha sendo praticado. Porém, ainda existem situações que não estão disciplinadas, como a realização de treinamentos ou o apoio gerencial aos trabalhadores, entre tantas outras que ainda podem ser alvo de novas regulamentações.
O que é considerado teletrabalho?
Uma das principais mudanças promovidas pela MP diz respeito ao próprio conceito de teletrabalho, que, agora, não precisa ser realizado preponderantemente fora das dependências da empresa como previsto na reforma trabalhista, observa o sócio do Mallet Advogados Associados, Marcos Guilherme Ciccarino Fantinato. “O comparecimento, ainda que habitual, não descaracteriza o teletrabalho”, explica.
Fantinato alerta que as empresas devem ser cautelosas com essa disposição, para que não contratem empregados no modelo de teletrabalho e, na prática, os coloquem para atuar de maneira presencial. Isso porque o texto da MP pontua que o teletrabalho não será descaracterizado por conta do “comparecimento, ainda que de modo habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas, que exijam a presença do empregado no estabelecimento”.
Quais são os cuidados em relação ao controle de jornada e produção?
“A MP criou dois regimes de teletrabalho: um de jornada e um de produção”, salienta Fantinato. Na prática, as empresas podem optar por celebrar contratos baseados no controle de horário (jornada) ou de produtividade (por produção ou tarefa).
Os especialistas do Demarest contextualizam que, até a publicação da MP, em tese, o controle de horário não se aplicava ao teletrabalho e, agora, passa a ser exigido em todos os casos que não envolvem a contratação por tarefa ou produtividade. “Adotar um contrato de trabalho por produção ou tarefa não fará sentido se o único intuito dessa conversão for não precisar controlar a jornada de trabalho”, afirma Pizzotti.
“Caso a MP seja convertida em lei, as empresas precisarão buscar sistemas de marcação de ponto eletrônico que possam ser utilizados remotamente pelos empregados, assim como precisarão adotar providências diversas para implementação do controle das horas trabalhadas e gerenciamento da nova condição”, orienta Lima.
A questão entre jornada e produtividade é um dos pontos mais sensíveis, porque impacta uma série de situações que envolvem as relações de trabalho, como pagamento de horas extraordinárias ou adicionais, a sobrecarga dos trabalhadores e o direito à desconexão, por exemplo. “O controle de jornada é uma via de mão dupla e serve para que o empregador consiga controlar a atividade produtiva desse empregado, mas também para evitar uma carga excessiva de trabalho que leve o empregado à exaustão”, analisa Benedito.
A profesora ressalta, ainda, que na contratação por produtividade é essencial ter cuidado com possíveis excessos que prejudiquem o bem-estar do empregado. “Não se pode gerar fadiga e exaustão por conta da ausência de limite”, orienta. “Por outro lado, podemos ter trabalhadores que gostem dessa possibilidade de flexibilização”, contrapõe.
O que pode acontecer com a MP?
A MP já está produzindo efeitos, entretanto, precisa ser convertida em lei no prazo de 180 dias. O texto, portanto, ainda vai ser analisado por deputados e senadores. Nesse sentido, o conteúdo pode ser aprovado, vetado ou alterado. Caso não haja manifestação do Congresso Nacional até o término do prazo, a MP perderá a validade. É importante que as empresas estejam atentas a possíveis mudanças.
Como as empresas devem agir?
Pizzotti e Lima, do Demarest, reiteram que, com a MP, o trabalho remoto, mesmo quando realizado de maneira parcial, como no sistema híbrido, se enquadra na classificação do teletrabalho. Dessa forma, as empresas já estão sujeitas às regras e formalidades previstas na CLT para esse tipo de regime.
Fantinato orienta que é interessante que a empresa conte com o apoio jurídico especializado na área trabalhista para avaliar a sua realidade, considerando as alterações promovidas pela MP e suas relações com outros pontos da CLT e com entendimentos firmados pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Para Benedito, as empresas têm a oportunidade de fazer uma reestruturação produtiva. “É um momento de olhar para identificar o que é e o que não é viável, a partir da própria experiência durante a pandemia”. A professora aponta que a flexibilização trazida pela MP deve ser adotada para “melhorar o desempenho da organização, mas sem perder de vista que, para além dos resultados lucrativos, é preciso pensar no fator humano”.