A terceira e última reportagem da série sobre a Lei da Liberdade Econômica aborda os efeitos sobre a legislação trabalhista e a desconsideração da personalidade jurídica.
A Lei nº 13.874/19, mais conhecida por Lei da Liberdade Econômica, estabeleceu novas regras que afetam a rotina das empresas, com alterações, inclusive, na legislação trabalhista. O professor de Direito do Trabalho em Cursos Jurídicos e de Pós-Graduação Ricardo Calcini cita quatro mudanças trabalhistas que exigem atenção dos empregadores:
1. Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) eletrônica, com prazo de anotação de cinco dias úteis;
2. Ausência de controle formal de anotação da jornada de trabalho para empresas com até 20 empregados;
3. Autorização para o registro de ponto por exceção à jornada regular de trabalho mediante acordo individual escrito e/ou coletivo de trabalho; e
4. Substituição do eSocial por um sistema simplificado de escrituração digital.
Em relação ao monitoramento do cumprimento de horas trabalhadas, a lei ampliou o modelo de autogestão do controle de jornada, prática já prevista na Reforma Trabalhista para negociações coletivas, e que, a partir da Lei da Liberdade Econômica, passou a ser permitido, também, para acertos individuais, entre empregado e empregador, desde que formalizado no contrato de trabalho. “Trata-se de uma dinâmica ainda muito recente para se saber, ao certo, quais são os riscos jurídicos envolvidos”, avalia Calcini. O professor alerta que os empregados “poderão se utilizar desse novo sistema para atrasar a entrada ou antecipar a saída do trabalho em período superior aos dez minutos residuais permitidos por lei”.
No caso do trabalho excepcionalmente realizado fora do estabelecimento, prática que não se confunde com o teletrabalho ou com o exercício rotineiro de atividades externas, o horário deve ser registrado pela empresa.
A autorização para o registro de ponto por exceção deve ser utilizada para anotar situações extraordinárias, frisa Calcini. “Eventos como faltas, atrasos, férias, saídas antecipadas, licenças (saúde, maternidade e paternidade), além, claro, das horas extras: tudo isso deve ser objeto de registro pelo empregador”.
Desconsideração da personalidade jurídica
Além do impacto trabalhista, a Lei da Liberdade Econômica estabeleceu critérios para a desconsideração da personalidade jurídica, dando nova redação ao art. 50 do Código Civil.
O juiz de Direito e professor de Direito Civil da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Pablo Stolze, contextualiza que o objetivo é promover o “afastamento temporário da personalidade da pessoa jurídica, para permitir a satisfação do direito violado diretamente no patrimônio pessoal do administrador ou sócio que praticou o ato abusivo”. A regra vale para casos em que seja constatado desvio de finalidade ou confusão patrimonial. “Desvio de finalidade, segundo o parágrafo primeiro do artigo 50, é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e praticar atos ilícitos de qualquer natureza”, descreve o juiz. “É caso da pessoa jurídica utilizada com o propósito de emitir notas frias e lavar dinheiro”, exemplifica.
A confusão patrimonial é abordada no parágrafo segundo e “pode se caracterizar pelo cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; ou outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial”. Stolze cita que a confusão patrimonial pode ocorrer, por exemplo, quando há “movimentação bancária em conta individual do sócio para as operações habituais da sociedade, lançamento direto como despesa da pessoa jurídica de gastos pessoais do sócio ou administrador, etc”.
Outro instrumento, previsto no parágrafo terceiro, é a “desconsideração inversa ou invertida”. Nesse caso, o objetivo é buscar o patrimônio da pessoa jurídica para satisfazer obrigações da pessoa física quando esta “esvazia fraudulentamente o seu patrimônio pessoal”. “Trata-se de uma visão desenvolvida notadamente nas relações de família, de forma original, em que se visualiza a prática de algum dos cônjuges ou companheiros que, antecipando-se ao divórcio ou à dissolução da união estável, retiram do patrimônio do casal bens que deveriam ser objeto de partilha, incorporando-os na pessoa jurídica da qual é sócio”, explica Stolze.