A evolução da tecnologia promete aumentar a produtividade das empresas e, em contrapartida, diminuir os postos de trabalho.
Certos filmes sobre futuros apocalípticos talvez não estejam tão distantes de nossa realidade próxima. Estamos vivendo uma nova revolução industrial, na qual a mão de obra humana será, muito em breve, substituída pela inteligência artificial (IA). Sem exageros. Várias companhias já têm desenvolvido, em parceria com empresas de tecnologia, sistemas que melhoram o seu processamento de dados por meio de softwares inteligentes.
Os números são alarmantes. Pesquisa publicada recentemente pela EY aponta que, em 2025, um em cada três postos de trabalho devem ser substituídos por tecnologia inteligente. Outro estudo, esse da Oxford Martin School, revela que a automação ameaça 47% dos postos de trabalhos nos Estados Unidos e 65% das vagas na China.
Assim como nas revoluções anteriores, o objetivo é produzir mais, em menos tempo, gastando menos.
O sócio da Consultoria em Gestão de Pessoas da EY, Oliver Kamakura, concorda que as mudanças terão grande impacto sobre o mercado de trabalho como o conhecemos hoje. “Estamos passando pela quarta revolução industrial e esta tem particularidades que precisam ser observadas: é rápida e sem a possibilidade de prevermos aonde vai chegar.
Nas mudanças anteriores observávamos que houve aumento da mão de obra ociosa, mas essas pessoas, com o tempo, foram reabsorvidas em novas atividades. Desta vez, não sei se essa reabsorção ocorrerá de fato”.
Ele defende a criação de uma agenda de capacitações para as pessoas que serão impactadas. “As empresas deveriam investir ao menos 10% do seu ganho na capacitação da mão de obra. Até porque, se considerarmos que parte da população brasileira ainda não tem energia elétrica nem internet, é difícil esperar que esse público esteja pronto para lidar com mudanças tão ligadas às novas tecnologias. Com isso, a diferença entre as classes sociais será ainda mais acentuada”.
Salientando que alguns órgãos governamentais percebem a necessidade de agir em parceria com empresas e instituições de ensino para capacitar e reinserir a mão de obra no mercado, Kamakura julga necessário priorizar o tema para que, em meio a uma agenda disputada de interesses, ele não fique em segundo plano.
Transição
De acordo com a diretora de Transição de Carreira e Gestão da Mudança para América Latina da Lee Hecht Harrison (LHH), Irene Azevedoh, não há motivo para pânico. “Há simplesmente uma mudança, na qual novos empregos serão criados e outros extintos. A diferença é que nas outras revoluções, a mudança ocorria lentamente e agora, quando percebemos, ela já ocorreu”.
Como ainda não sabemos o que o futuro nos reserva, a especialista afirma ser preciso trabalhar condutas. “Existem comportamentos que determinarão o sucesso neste mundo de total vulnerabilidade. Agilidade de aprendizado, visão estratégica, capacidade de fazer conexões, flexibilidade e adaptabilidade serão a bola da vez”.
O professor substituto e gerente de projetos do Laboratório de Inteligência Artificial, Eletrônica de Potências e Sistemas Digitais (Batlab) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Leandro Zanqueti de Oliveira, acredita que as mudanças tecnológicas trarão uma série de benefícios, pois permitirão aos trabalhadores desempenharem funções mais criativas, já que a parte mecânica do serviço será feita por máquinas. “Esse é um momento de transição. Muitos processos ainda estão em fase de implantação nas empresas, onde inclusive encontramos resistência das pessoas que nelas trabalham por medo de perderem os seus empregos para as máquinas. Mas eu acredito que isso não acontecerá, estes trabalhadores serão remanejados para outras funções, que realmente dependam do poder de criação e interpretação que apenas o ser humano é capaz de executar. Por exemplo, alguém que faz a coleta de dados hoje poderá fazer a auditoria destas informações, que serão coletadas pela IA”.
Concorrência desleal
Além de precisarmos concorrer com máquinas e softwares que possuem uma capacidade de processamento de dados superior ao do cérebro humano, já é possível encontrar quem faça uso de drogas para melhorar seu rendimento cerebral. Um dopping com foco na concentração. Relatos de pessoas que fazem uso de substâncias como a Ritalina – medicamento que aumenta o poder de concentração desenvolvido para pessoas com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade – sem necessariamente precisar delas, são cada vez mais comuns. “Há universitários e até professores que, para lidar com a pressão de prazos de entrega de trabalhos e pesquisas, fazem uso dessas drogas.
Mas há um preço a ser pago depois, pois toda substância química causa algum dano, nem que seja o vício no medicamento”, alerta Zanqueti.
Com máquinas de um lado e pessoas fazendo uso de substâncias químicas para melhorar seu rendimento do outro, haverá espaço para o ser humano “in natura” no mercado de trabalho?
Preocupantes previsões
Segundo o físico Stephen Hawking, independentemente do propósito que a criou, uma tecnologia extremamente inteligente provavelmente desenvolverá um ímpeto próprio para sobreviver e irá atrás do máximo de recursos possíveis para alcançar seus próprios objetivos. Ou seja: podemos estar criando algo que fará mais mal do que bem à humanidade.
A visão não é compartilhada por todos os envolvidos em projetos nesse sentido. O professor Zanqueti, que atua diretamente na parte de pesquisas e no desenvolvimento de ferramentas que usam como base a IA, não acredita que esta tecnologia se tornará uma Skynet, como no filme Exterminador do futuro. “Não dá para mensurar, neste momento, se a IA se tornará uma ameaça para nós no futuro, mas acredito no seu desenvolvimento para o bem da humanidade, especialmente no tocante à educação. Por isso, é preciso investir em pesquisas, para que ela seja construída da melhor forma possível diante dos objetivos que pretendemos alcançar. No entanto, com o frequente corte de verbas que as instituições de ensino e pesquisa têm sofrido, é mais provável que enfrentemos no Brasil um retrocesso tecnológico do que um avanço benéfico”, conclui.
Texto: Katherine Coutinho