Para as empresas, a capacidade de criação promovida pelas novas ferramentas pode elevar a produtividade, eficiência e competitividade, mas exige atenção à segurança e à ética.

Até pouco tempo, os limites entre tarefas automatizadas e aquelas desenvolvidas por pessoas eram bastante claros. Às máquinas e robôs competiam atividades repetitivas, mecanizadas e de processamento bastante pragmático (cálculos, busca de informações, etc.). Funções mais criativas, que demandam imaginação, reflexão e contextualização, como o desenvolvimento de uma campanha de marketing ou a redação de uma reportagem como esta, só poderiam ser realizadas por um ser humano. Isso está mudando com a inteligência artificial (IA) generativa.

O diretor da Faculdade de Estudos Interdisciplinares (Facei) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), David de Oliveira Lemes, descreve a IA generativa como um ramo da inteligência artificial “que se concentra na criação e geração de conteúdo ‘original’ e criativo, como imagens, música, texto e até mesmo vídeos”. Essa é a grande diferença em relação às aplicações da IA mais tradicionais, como classificação de dados ou reconhecimento de padrões.

“Esse conteúdo ‘original’ se baseia em uma grande varredura de armazenamento de conteúdo em sites, redes sociais, livros, fórum, entre outros”, afirma. Há todo um treinamento desenvolvido para que uma máquina chegue a esse nível de complexidade, como o processamento da linguagem natural. “E, claro, devemos tomar cuidado com a alucinação de uma IA generativa, que se refere à capacidade da inteligência artificial de criar conteúdo ou informações que não têm base na realidade ou em dados fornecidos”.

Conforme explica o head de Inteligência Artificial da Valorian e pesquisador na área de processamento de linguagem natural, Antonio Cavalcanti, a alucinação é inerente aos modelos generativos. “Para ser criativo, o sistema não pode conceber apenas coisas que estão no treinamento dele”, detalha. Na prática, ele tem a capacidade de combinar diferentes referências para criar algo completamente novo, que nem sempre corresponde à realidade.

A rápida propagação de ferramentas de IA generativa mostra que, apesar disso, suas aplicações são funcionais e já estão transformando a nossa realidade. No caso das empresas, de forma geral, Lemes indica que os potenciais benefícios envolvem a “inovação, criatividade, produção eficiente de conteúdo, personalização do atendimento ao cliente, prototipagem rápida, otimização de processos e aprendizado contínuo”.

Cenário empresarial em transformação

Para além das criações mais óbvias que podem ser geradas, a IA generativa pode mudar de forma significativa a competitividade entre as empresas. O sócio da consultoria Bain & Company e especialista em advanced analytics, Felipe Fiamozzini, lembra que a tecnologia é treinada a partir de uma “quantidade massiva de dados e bilhões de parâmetros”. “Isso acaba sendo o chassi para uma série de modelos que se consegue criar com pouco esforço adicional do ponto de vista de dados ou com perfis técnicos relativamente diferentes dos que se precisava ter”.

Antes, o desenvolvimento de soluções era algo praticamente impeditivo para pequenos negócios. Eram empresas que não tinham acesso aos talentos altamente qualificados e escassos e que agora começam a ter vantagens competitivas a partir da utilização dessa tecnologia. “Principalmente para as pequenas e médias empresas, começa a haver um nivelamento maior do que elas conseguem fazer e até mesmo podendo ameaçar algumas posições de empresas maiores, dependendo da aplicação”, continua Fiamozzini. Assim como a IA generativa é capaz de criar textos e imagens, também consegue produzir, revisar e documentar códigos de programação, algo que pode ser extremamente estratégico para aplicação empresarial.

O que já está acontecendo é o surgimento de ferramentas cada vez mais especializadas que se utilizam da IA generativa para a realização de funções específicas – conheça algumas delas na seção Painel, na página XX. “Essa já é a tendência do agora”, destaca Cavalcanti. Dessa forma, as empresas podem ser impactadas com o uso de softwares mais precisos e eficientes, por exemplo. Outro caminho é desenvolver aplicações próprias.

Para empresários que estão atentos às oportunidades, o primeiro passo é se informar melhor sobre como funciona a IA generativa, identificando tanto benefícios quanto os riscos. Outra recomendação é avaliar o que, de fato, gera valor no seu negócio e entender como uma solução de IA pode elevar a sua competividade nesse ponto. A partir dessa análise, é possível definir as aplicações estratégicas da tecnologia.

“A gente mergulha na realidade da empresa para entender onde a IA pode entrar com o menor custo de desenvolvimento”, esclarece Cavalcanti sobre o processo de criação de uma ferramenta própria. “O objetivo é buscar aquilo que vai ser baratinho para a gente fazer, mas que vai ter um impacto gigante para o cliente lá no final”.

Privacidade, ética e vieses

Em meio à transformação que está em curso, as empresas ainda vão enfrentar uma série de desafios na adoção dessa tecnologia. “Alguns desses desafios incluem garantir a qualidade e confiabilidade dos resultados gerados; lidar com questões éticas e vieses nos dados; estabelecer políticas de propriedade intelectual claras; conquistar a aceitação e confiança do público; e tornar os modelos mais interpretáveis”, pondera Lemes. “Superar esses desafios requer investimento contínuo em pesquisa, desenvolvimento e governança adequada da IA generativa, bem como colaborações com especialistas externos e parcerias com instituições acadêmicas”, aponta.

Uma das grandes preocupações é com a privacidade dos dados. Ao lançar dados para criação de um determinado conteúdo em uma plataforma, essas informações estarão seguras? Existem ferramentas que oferecem essa proteção, outras não. Por isso, todos os especialistas advertem que a utilização deve ser cautelosa, sobretudo com relação aos dados pessoais e sensíveis.

Cavalcanti avalia que, no processo de adesão tecnológica, as empresas podem se beneficiar do desenvolvimento de inovações disruptivas, que estão sendo realizadas por meio de sandboxes regulatórios, apropriados para experimentação. Foi o caso do sistema Pix. Fiamozzini acrescenta que um cuidado importante é iniciar por aplicações que tenham etapas de verificação realizadas por processo humano, principalmente antes de disponibilizar uma solução ao cliente final.