A decisão tributária mais relevante da atualidade ainda gera questionamentos e obstáculos à utilização de possíveis créditos, exigindo apuração criteriosa por parte das empresas que buscam o benefício.

Em 15 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) protagonizou o julgamento da chamada “tese do século”, ao decidir que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) não compõe a base de cálculo para recolhimento do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O veredito representou uma das principais vitórias do contribuinte pessoa jurídica em questões tributárias, mas, passados seis anos da votação do mérito, ainda gera impasses.

A associada sênior da prática tributária do escritório Trench Rossi Watanabe, Carolina Sposito, lembra que a decisão trouxe inúmeros questionamentos secundários, principalmente acerca da apuração dos créditos. Além de solicitar esses esclarecimentos, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), ao apresentar pedido de embargos declaratórios, solicitou a modulação dos efeitos da decisão, com o objetivo de limitar o benefício tributário apenas àqueles contribuintes que já haviam ingressado judicialmente até a data do julgamento.

“O STF modulou e colocou que a data de corte para recuperar o passado seria a data do julgamento de mérito, em março de 2017”. Ou seja, todas as ações posteriores a essa data não poderiam se favorecer dos créditos passados. Ao longo dos quatro anos entre a decisão do mérito e a modulação dos efeitos, muitos contribuintes já estavam obtendo resoluções favoráveis e compensando valores dos cinco anos anteriores (como é prática).

Nesse contexto, a PGFN tem ajuizado centenas de ações rescisórias, que buscam reverter as decisões judiciais que concederam créditos além do estabelecido pelo STF (posteriores ao marco temporal). Segundo Sposito, o prazo para apresentação das ações rescisórias é limitado e se encerra em setembro de 2023. Fato é que as empresas que se enquadram nessa situação estão expostas a esse risco. “A expectativa é que acabem perdendo essa parcela do crédito utilizado e que não poderia ter sido usado. No fim, vão ter que pagar esse valor”, esclarece. Em relação ao pagamento dessas quantias, um caminho possível é buscar a negociação de débitos com a Fazenda. A advogada também não descarta que a PGFN lance um edital de transação tributária específico para esses tributos.

Obstáculos às compensações e restituições

A sócia da área tributária do Demarest, Priscila Faricelli, avalia que existem alguns impasses que as empresas podem enfrentar ao buscar restituições e compensações relacionadas à “tese do século”. De acordo com ela, há alguns “problemas sistêmicos” que podem surgir no processo de utilização dos créditos tributários. “Na hora em que ela inicia as compensações, a Receita Federal, em algumas situações, tem iniciado uma fiscalização, o que na prática impede que a empresa continue fazendo as compensações”, afirma.

“Além disso, a gente tem tido discussões sobre empresas que não pagaram indevidamente, mas se creditaram de PIS/Cofins em valor inferior ao que deveria ter ocorrido, e aí, ao invés de se falar em tributo pago indevidamente, na verdade, tem uma deficiência de crédito escritural de PIS/Cofins”, acrescenta.

Para as empresas evitarem negativas relacionadas ao crédito fiscal, Faricelli ressalta a importância de uma “análise muito criteriosa dos riscos efetivamente envolvidos”, sobretudo para aquelas que ficaram vencidas na modulação dos efeitos.

Para aquelas que já se depararam com negativas, ainda há caminhos a seguir. Faricelli pontua que é “possível questionar, tanto administrativa quanto judicialmente”. No entanto, recomenda cautela e orienta o contribuinte a “pensar em uma estratégia que consiga concentrar a discussão”, evitando múltiplos processos sobre o mesmo tema.

“Vale a pena fazer uma análise abrangente de todo o contexto que a empresa tem, até mesmo porque, seja para compensar, seja para pedir precatório, existe um prazo (de cinco anos)”, explica. “Esse é mais um entrave que ainda não vimos muito presente, mas em breve vamos começar a ter muitas empresas serem pegas pela impossibilidade de monetizar esse crédito em razão do decurso desse prazo”.