Adotado por necessidade, o home office provou que pode ser viável, apesar dos desafios impostos pela pandemia. Vencer os obstáculos requer estruturação de processos e mudança na cultura organizacional.
O home office passou de tendência à realidade para muitas organizações em poucos dias, quando as primeiras medidas de isolamento foram anunciadas em 2020. Hoje, não há dúvida: “a mudança veio para ficar”, define o gerente de recrutamento da empresa de recrutamento especializado Robert Half, Vitor Silverio.
A transição agradou profissionais e gestores, revelam estudos realizados pela consultoria. Quase nove em cada 10 pessoas querem trabalhar mais de casa após o fim do isolamento, pois notaram vantagens, como o maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Os gestores também constataram benefícios e 89% deles permitirão que os colaboradores trabalhem de casa com mais frequência.
Embora tenha se mostrado viável, o modelo ainda possui uma série de problemas, que vão da infraestrutura à qualidade de vida dos trabalhadores, questões, muitas vezes, difíceis de serem solucionadas durante uma pandemia. “Esse home office de hoje não é o ideal. As pessoas obrigadas a trabalhar de casa enfrentam muitas distrações: a família toda está em casa, as crianças estão sem aula, estão acontecendo reformas domésticas. Isso causa descontentamento e fadiga”.
Silverio projeta que, quando houver vacina disponível e o retorno ao local de trabalho for seguro, as empresas buscarão um formato híbrido, com colaboradores trabalhando mais dias de casa. Para que sejam bem-sucedidas, Silverio sugere a criação de uma política de home office para estruturar suas práticas. “É necessário entender quais são os fluxos e processos que, ao serem realizados de casa, precisam ser modificados, adaptados para o home office”, sustenta.
“O gestor deve deixar muito claro o que ele espera do profissional, pois a gestão deve ser cada vez mais baseada em indicadores e performance, mas, claro, sem nunca esquecer o aspecto humano”, argumenta. “E, cada vez menos, deve haver controle sobre o profissional”.
Papel da liderança
O mestre em Filosofia, palestrante e professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), Sérgio Nery, avalia que muitas empresas que nem pensavam na possibilidade de aderir ao home office foram obrigadas a atuar nesse formato durante a pandemia. “Não havia alternativa e essas empresas constataram que é possível trabalhar de casa”.
As questões mais problemáticas do sistema foram sendo observadas ao longo do tempo. Por isso, organizações que se precipitaram em anunciar adesão ao home office em tempo integral voltaram atrás. “Essas empresas perceberam que trabalhar só em home office não funciona tão bem e estão optando pelo sistema híbrido”, aponta Nery.
As revisões refletem o desafio de lidar com um contexto novo e incerto, inclusive para quem tem a função de orientar toda uma equipe. “Ninguém foi preparado para uma situação como essa, nem mesmo o líder. Só que é esperado que essa liderança esteja mais à frente em várias questões do que os liderados”. Estar à frente, nesse caso, é ser capaz de modificar as próprias condutas. “Nesse modelo não existe mais espaço para um gestor controlador. Há a expectativa de que o gestor crie um ambiente motivador, que as pessoas queiram trabalhar com ele e que seja uma pessoa mais condescendente, mais humanizada”.
Nery ressalta que os líderes deveriam ter sido treinados para saber como lidar com profissionais que passariam a trabalhar em home office em meio a uma pandemia, o que é totalmente diferente de uma situação normal. “É preciso ter outro tipo de abordagem, desenvolver relação de empatia e criar conexão emocional, mesmo quando se atua com foco em metas e resultados”.
A humanização é indispensável para lidar com pessoas que, apesar de integrarem a mesma equipe, vivenciam a rotina profissional a partir de uma perspectiva muito particular quando isoladas em casa. Por isso, o contentamento ou o descontentamento com o home office não é algo generalizado. A dica de Nery para criar relações empáticas é a realização de pesquisas internas com todos os funcionários, buscando entender “o que cada pessoa está passando e do que está precisando”.