Sistemática implica obrigações acessórias a empregadores e escritórios contábeis, que podem ser responsabilizados por falhas operacionais no processo de desconto em folha

O Programa Crédito do Trabalhador, que tem o objetivo de ampliar o acesso a empréstimos a juros mais baixos, trouxe alívio financeiro para o empregado celetista. Por outro lado, sobrecarregou empregadores e escritórios contábeis.

O diretor Técnico da Federação Nacional das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas (Fenacon), Wilson Gimenez Junior, explica que o empregado contrata o empréstimo junto à instituição financeira habilitada, mas parte da operacionalização recai sobre o empregador. A empresa é notificada sobre a concessão do crédito por meio do Domicílio Eletrônico Trabalhista (DET) e fica encarregada de registrar a transação no eSocial, incluir na guia do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) Digital e repassar os valores no prazo.

“Do ponto de vista da Fenacon, os benefícios financeiros para o trabalhador não podem justificar a imposição de riscos e custos não remunerados às empresas e seus contadores. A redução dos juros é importante, mas o modelo carece de equilíbrio na distribuição das responsabilidades”, observa.

Gimenez Junior destaca que o programa torna compulsória a intermediação do empregador, que é obrigado a processar descontos e repasses. O contador, por sua vez, assume tarefas que não estavam previamente contratadas na prestação do serviço. Uma delas é apoiar os clientes no acesso e uso de sistemas digitais com os quais muitos deles não estão familiarizados.

Outra demanda imposta é a solicitação e o gerenciamento do cadastro dos responsáveis pela consulta mensal, por meio da indicação de colaboradores na conta gov.br do CNPJ a ser consultado, visto que não há procuração que permita o acesso ao Portal Emprega Brasil quando a empresa delega ao escritório contábil a consulta e o download dos arquivos de empréstimos.

Para evitar erros operacionais, Gimenez Junior recomenda como boas práticas:

  • implantar fluxos internos de comunicação entre o RH da empresa e a instituição financeira, e da empresa com a contabilidade;
  • solicitar que a empresa efetue a consulta aos empréstimos consignados, por meio de seu certificado digital, com frequência mensal e antes do fechamento da folha de pagamento;
  • estabelecer pontos de contato dedicados nas empresas e nos bancos para tratar do consignado;
  • utilizar softwares integrados, que permitam automatizar parte do processo e reduzir erros manuais;
  • treinar o RH e o contador sobre os novos procedimentos.
    “A Fenacon tem dialogado com o Ministério do Trabalho, a Receita Federal e representantes do Congresso para sugerir ajustes regulatórios e melhorias na governança do programa”, afirma. A entidade defende as seguintes mudanças:
  • caráter facultativo para as empresas, com adesão formal via convênio;
  • inclusão de cláusulas que isentem o empregador e o contador de responsabilidade subsidiária por inadimplemento do empregado;
  • criação de plataforma pública padronizada para comunicação entre bancos e empresas;
  • possibilidade de remuneração ao empregador ou ao escritório contábil pela intermediação;
  • estabelecimento de prazo de carência para adequação dos sistemas e contratos.

Revisão de processos

O programa prevê o uso de até 10% do FGTS como garantia e a possibilidade de redirecionar a dívida para um novo vínculo empregatício. Isso torna a operação mais complexa, argumenta o vice-presidente da Câmara Técnica do Conselho Regional de Contabilidade de Santa Catarina (CRCSC), Roberto Aurélio Merlo. Ele aponta dois motivos para sustentar essa afirmação:

  • controle de dados sensíveis: a empresa deve proteger as informações dos trabalhadores (como CPF, vínculo empregatício e dados salariais), conforme a Lei Geral de Proteção de Dados;
  • risco de exposição indevida: o manuseio inadequado de dados ou o vazamento de informações para bancos pode gerar penalidades à empresa.

Merlo esclarece que o redirecionamento da dívida a um novo contrato de trabalho é efetuado automaticamente após a geração do novo vínculo. “No entanto, a transferência do consignado não ocorrerá no mês exato da admissão, o que obrigará o colaborador a efetuar o pagamento diretamente às instituições financeiras”, ressalta.