Instrumento, normalmente associado à proteção patrimonial e sucessão da gestão, cumpre propósitos maiores do que esses, mas é importante entender que não existe “fórmula mágica”

A holding é uma pessoa jurídica que detém bens e direitos de outras empresas, que, no Brasil, foi instituída pela Lei nº 6.404/76, a Lei das Sociedades Anônimas ou Lei das S.A.

Comumente, essa estrutura é comparada a um guarda-chuva, que abrange e protege as subsidiárias e seus patrimônios. No entanto, a holding se assemelha mais a um maestro regendo uma orquestra: ela coordena e administra as empresas e bens do grupo como um regente que direciona todos os instrumentos em busca da harmonia perfeita. Ou seja, estamos falando de gestão e não de um produto de prateleira que, magicamente, será capaz de proteger as empresas de intempéries.

Organização patrimonial e familiar

No Brasil, 90% das empresas são familiares, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E a mortalidade cresce a cada nova geração, com raros casos de organizações que sobrevivem à terceira sucessão. A holding se destaca como um instrumento para enfrentar a complexidade desse processo, que envolve tanto a definição dos sucessores quanto dos patrimônios constituídos.

O fundador da Hold Gestão Patrimonial e diretor da Associação Brasileira de Conselheiros Consultivos Certificados (ABC3), João Alberto Teixeira, lembra que a holding é um CNPJ aberto pelas famílias com o propósito de dar continuidade ao legado. “É muito importante que a gente tenha uma metodologia”, ressalta. A primeira etapa desse trabalho envolve o entendimento sobre os desafios e anseios do grupo familiar.

A estruturação da holding parte do contexto familiar para, depois, seguir para etapas mais técnicas, que envolvem questões societárias, jurídicas, tributárias e contábeis. “Mas a gente caminhou junto com a família primeiro”, frisa. Com essa abordagem, Teixeira demonstra que a criação desse CNPJ é feita de acordo com a realidade de cada organização e com o perfil de seus integrantes (normalmente, a família).

“Como a holding está na moda, tem sido vendida com alguns paradigmas que a gente gosta de quebrar, como, por exemplo, não é só para trazer vantagens tributárias”, esclarece. O planejamento tributário é abarcado pela holding, mas ela não se limita a isso e muito menos existe para gerar a chamada “blindagem patrimonial”, algo que sequer existe nem pode ser prometido. “Isso é muito perigoso porque um empresário devedor pode achar que a holding vai blindá-lo e não é para isso”.

Dois aspectos são fundamentais na constituição da holding: harmonia familiar e organização do patrimônio. O processo de estruturação desse CNPJ deve caminhar nesse sentido, o que é diferente de buscar o instrumento para driblar problemas. “Para quem não está bem, está devendo ou já está no meio de um incêndio, a holding não vai salvar em nada, só vai piorar a situação”, alerta.

Quando bem planejada, a holding tem o potencial de proteger o patrimônio, gerar uma condição tributária mais benéfica e estabelecer as regras a serem observadas na transição administrativa e em relação ao uso ou distribuição dos bens. Teixeira cita que há um olhar tanto para a sucessão da gestão, que estabelece quem vai assumir o comando empresarial, quanto para a sucessão familiar, que consiste na divisão patrimonial em vida.

Menos conflitos, mais direcionamento

“A holding concentra e regra o exercício do poder de controle”, define o sócio do MartinsVillac Advogados e mestre em Direito Empresarial pela New York University, José Ricardo de Bastos Martins. “Ela pode apartar o uso e a gestão do patrimônio dos sócios da gestão empresarial propriamente dita do negócio. Também é capaz de gerar maior proteção. Além disso, possibilita a criação de uma alçada para mitigar conflitos da família que possam vir a contaminar o negócio”.

Todos esses objetivos são possíveis e não se esgotam aí – há questões de organização e planejamento que melhoram a eficiência de custos, como os tributários. A partir da realidade específica de cada empresa familiar é que vai ser definido que tipo de holding se encaixará melhor nos propósitos definidos.

O formato mais clássico, a holding pura, é aquela que detém a participação societária das subsidiárias que estão abaixo dela. Nessa estrutura, o grupo concentra uma série de negócios. É o caso, por exemplo, de uma família que abriu uma padaria, obteve sucesso e ampliou o negócio com diferentes filiais. A holding passa a ser a controladora dessas empresas e as cotas ou ações são distribuídas entre os acionistas (membros da família).

Segundo Martins, nesse formato, a esfera decisória dos negócios é um aspecto importante a ser considerado. “Podemos ter, nessa holding, uma estrutura composta por conselhos de administração, com acordo de sócios definindo, por exemplo, questões que devem ser decididas por unanimidade”.

O processo de estruturação da holding deve ser feito de forma criteriosa e com o apoio de profissionais especializados. Há boas razões para adotar esse cuidado. Um ponto que os especialistas devem avaliar é a situação de cada negócio – nem sempre é recomendável colocar uma empresa como subsidiária da holding.

Martins exemplifica que, caso a família tenha um conjunto de empresas, é necessário avaliar se alguma representa riscos (como de insegurança jurídica ou altos passivos trabalhistas). Esse é o tipo de negócio que precisa ser primeiro corrigido para só então ser integrado ao grupo. Do contrário, se houver uma condenação judicial, a holding responde solidariamente, podendo ter o patrimônio do grupo como um todo impactado.

Outras configurações abrangem as holdings mistas (que, além da participação societária, têm uma atividade econômica própria), imobiliária (destinada à gestão de um conjunto de imóveis) e patrimonial (voltada para tratar do patrimônio familiar). Não existe um formato melhor do que outro: tudo vai depender da realidade e dos objetivos da empresa ou dos acionistas.

Um aspecto que está mobilizando as buscas por esse instrumento é a perspectiva de majoração do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), sobretudo nos estados em que a alíquota ainda é considerada baixa (o caso de São Paulo, com 4%). É fato que a holding impacta positivamente nessa questão também, desde que seja bem planejada, organizada e estruturada.